Já declarei minha fissura por revistas. De preferência as mais antigas, editadas entre 1940 e 1970 no Brasil, período em que a fotografia brasileira começa a se libertar da visão que a toma como representação objetiva dos fatos para, aos poucos, ser entendida como uma forma de expressão daqueles que dela se utilizavam. Recentemente completei minha coleção da revista Mirante das Artes, etc, editada por Pietro Maria Bardi para alavancar sua galeria de mesmo nome, localizada à rua Estados Unidos, 1494. Com 12 edições e periodicidade bimestral, iniciou seu percurso em janeiro/fevereiro de 1967 e encerrou seu ciclo em novembro/dezembro de 1968. A revista teve projeto gráfico de Lina Bo Bardi e seu logotipo foi desenhado por Wesley Duke Lee.

Logo, Mirante das Artes
O formato generoso da publicação, 32,5 x 23 cm fechada, possibilitava uma paginação diferenciada, e seu conteúdo estava sintonizado com a explosão da cultura de massa no Brasil – além de arte e mercado, trazia críticas e comentários sobre televisão, design, arquitetura, moda, publicidade, música e claro, fotografia, que é de nosso interesse em particular. Vale destacar que antes dessa experiência o casal Bardi editou a revista Habitat, criada em 1950, veículo em que eles já defendiam suas ideias acerca da cultura industrial. Na visão deles, em vez de ameaçar as artes tradicionais, ela deveria ser compreendida no âmbito de uma revolução cultural mais ampla que transformaria radicalmente o país.

Mirante das Artes
Mais tarde, em 1977, Bardi torna-se diretor da revista Arte Vogue, especial da revista Vogue editada pela Carta Editorial, que teve várias edições. Aqui também repetiu a experiência e publicou indistintamente discussões sobre os mesmos temas anteriores, não esquecendo de valorizar a fotografia e seu incipiente mercado. No editorial da primeira edição podíamos ler: “A comunicação visual às vezes prevalecerá sobre a escrita – em função das novas preferências impostas pela mudança dos gostos e pelo desejo de ver mais do que ler. (…) Assim saltando fora do âmbito das artes ditas plásticas, anotaremos coisas do palco e do vídeo, a música, a publicitária potência da comunicação integrada no cotidiano, a gráfica e o livro. Lugar preferencial daremos, também, a outros capítulos da arte: a fotográfica, expressão da individualidade. E a tantas mais ocorrências e novidades que representarem parcelas da nutrição cultural.”

Arte Vogue
É importante fazer esse exercício retrospectivo para entender que a fotografia foi sempre muito valorizada por Pietro Maria Bardi. Não podemos esquecer que, em 1949, Geraldo de Barros e Thomaz Farkas foram convidados para organizar o laboratório de fotografia do Masp introduzindo pioneiramente a fotografia num museu brasileiro. Farkas realizou sua primeira exposição individual no mesmo ano e Geraldo de Barros exibiu a série Fotoforma no ano seguinte. Sem essa visão progressista, a fotografia jamais teria o espaço e a ressonância que teve no período.
Em todos os números da revista Mirantes das Artes, etc encontramos referências ao movimento fotográfico do período. Também é possível conhecer alguns anunciantes, entre eles, a Fotóptica, parceira desde sempre da fotografia brasileira; a Livraria Kosmos Editora, responsável pela edição de importantes livros de fotografia; a própria galeria Mirante das Artes anunciando Álbuns de Fotografia de Maureen Bisilliat, Otto Stupakoff, Olivier Perroy, M.A. Vigliolia, José Medeiros.

Álbuns de Fotografias
Logo no primeiro número abre-se a seção “Olho da Fotografia” com a entrevista Lew Parrella conversa. Parrella é um fotógrafo americano que chegou a São Paulo em 1961. Sua experiência anterior incluía a edição americana da revista suíça Camera e, antes disso, o trabalho como assistente dos fotógrafos Arnold Newman, Phillipe Halsman e W. Eugene Smith. Também foi curador e crítico de fotografia. Ali, podemos identificar aquilo que seria o tom dessa seção ao longo das várias edições da revista: a crítica à falta de técnica, educação fotográfica e formação específica para os profissionais brasileiros.
Em uma das suas respostas sobre o fotógrafo brasileiro daquele momento, afirmou: “…Mas antes de mais nada temos que trabalhar nas condições em que se acham os profissionais. Os padrões com os quais a fotografia é aproveitada estão atualmente determinados por inexperientes e não qualificados. Eis a razão pela qual o campo dos fotógrafos permanece num nível inadequado; a maioria são (sic.) simples ‘tiro-ao-alvo’, repórteres de nível medíocre ou técnicos talvez tecnicamente adequados mas culturalmente deficientes.” E, mais adiante, destaca dois profissionais: “Vemos um Otto Stupakoff atingindo personalidade em nível superior à média de oferecimento e apreciação de trabalho acabou encontrando em Nova York a posição merecida; um José Medeiros, profissional sério e vivo, acaba procurando trabalho no cinema.”
Ao longo das edições, podemos ver crédito destacado nas fotografias de Peter Scheier, Cartier-Bresson, Dulce Carneiro, Gregori Warchavchik, José Xavier, Lenita Perroy, Pierre Verger, Hans Gunter Flieg, Marcel Gautherot, German Lorca, e mais aqueles acima citados. Na edição de número 9, vemos a única capa fotográfica, assinada por Alice Brill. Enfim, é possível detectar os nomes que se consagrariam nas décadas posteriores na constelação da fotografia brasileira e, mesmo assim, alguns são desconhecidos pelas novas gerações. Daí meu interesse em trazer à superfície, sempre que possível, esses nomes que se preocuparam em produzir uma fotografia diferenciada.
Na edição de número 4, a seção “Olho da Fotografia” traz um texto assinado por Alvaro Semina denominado Fotos massificantes, no qual é perceptível uma leve crítica ao regime militar e a valorização de outra fotografia: “A massificação não se dá só através da televisão, rádio, cinema, propaganda ou manchete de jornais. No Brasil está surgindo um novo elemento massificador. Trata-se da fotografia. Não evidentemente a fotografia que labora num campo estético, procurando revelar, conhecer e inventar. Mas um gênero original de fotografia que, depois de 1964, alguns jornais brasileiros vem pondo em circulação.”
As revistas de arte que circularam no período do regime militar não só elaboraram críticas ao governo mas, ao mesmo tempo, criaram uma discussão em torno da fotografia que ganhava espaço nos museus e galerias internacionais. Na edição de número 6, “Olho da Fotografia” traz o texto Uma Sub-profissão?, assinado por Luis Humberto Martins Pereira, nosso primeiro decano na área acadêmica da fotografia através da Universidade de Brasília. Leiam o fragmento que continua atual: “É arte na medida em que se consegue utilizar essa linguagem, plasticamente ordenada, através de um firme domínio dos meios e conseguir comunicar aquilo que de uma forma ou de outra conseguiu nos sensibilizar. Em resumo é um ato de opção, uma forma de expressão individual, resultante de um pensamento consciente e de uma atitude diante da vida.”
A revista Mirante das Artes, etc foi pioneira entre as revistas de arte ao trazer a fotografia para o primeiro plano. Claramente critica a carência dos nossos profissionais ao afirmar que sendo “mestres em fotografar o Carnaval e o futebol, mestres em fotografar ladrões nas delegacias, nossos fotógrafos não se dedicam à cultura”. Também assume a precariedade da nossa formação técnica e cultural, e coloca em discussão a necessidade de se criar condições mínimas para fotografarmos não apenas quantitativamente, mas produzir uma fotografia que estivesse em sintonia com as artes visuais, que naquele momento experimentava as primeiras experiências internacionais.
As velhas revistas são esclarecedoras. Elas balizam a memória e trazem significativas referências para a construção de uma história que seja justa com seus participantes. Nesse breve panorama, tive a intenção de estimular ideias a partir de um olhar retrospectivo e tornar público fragmentos que estão esquecidos, justamente pela ausência de políticas públicas que permitam acesso irrestrito às informações arquivadas nas instituições.
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