Tema: Crítica

Porque as imagens ardem, museus queimam

Ronaldo Entler | 4.set.2018

“Não se pode falar do contato entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de incêndio”, disse Didi-Huberman. Trata-se de um desses momentos em que a teoria, para dar conta da imagem, precisa recorrer à poesia. É estranho retornar a esse texto agora. Quando ele dizia que “as imagens ardem”, mesmo que tenha nos alertado sobre o risco, não poderíamos imaginar que sua metáfora se confrontaria com uma literalidade tão estúpida. O real a que ele se refere é, de certo modo, o oposto disso que chamamosLeia Mais

Real, Surreal, Sul do Real

Didiana Prata | 23.maio.2018

Viagem ao Sul do Real exige um outro tempo – que não é o da instantaneidade do aplicativo ou do dispositivo móvel para ser viajada. A narrativa do fotolivro de Rogério Assis é composta por dípticos de imagens do Brasil e de outros países produzidas e publicadas em tempos e contextos distintos com o uso de aplicativos para câmeras celulares. É uma narrativa visual contínua constituída por imagens heterogêneas, editadas e colocadas lado a lado, formando uma grande “frase-imagem”. O procedimento de edição contínua e cinemática da Viagem ao SulLeia Mais

Era preciso esperar para saber

Ronaldo Entler | 17.abr.2018

O acervo é rigoroso com relação ao que está dentro, justamente porque é desejante de algo que vem de fora: esse movimento ativo da visão que, como alguns idiomas latinos nos ensinam, é justamente um dos sentidos da palavra guardar (guardare, regarder).Leia Mais
Nas mãos humanas, criação é desvio e, por isso mesmo, é trabalho contínuo. É esse fazer incerto e surpreendente que, desde então, temos chamado de poesia.Leia Mais
É suficiente às vezes pensar a arte como expressão de um contexto histórico ou, pelo menos, de um modelo de pensamento, uma ideologia, a visão de mundo de um sujeito. Isso projeta sobre as obras uma legibilidade apaziguadora. As coisas se complicam quando a imagem é tomada como um instrumento de exploração que se contamina da matéria que investiga. Ela assume uma existência impura, impregnada das alteridades que encontra pelo caminho. Aqui, não será suficiente pensar em arte-tecnologia, arte conceitual ou arte transcendental. Não se nomeará tão facilmente os engajamentosLeia Mais
Deslumbrado com as promessas trazidas pela ideia de progresso, o ilustrador francês Albert Robida tentou imaginar, no final do século XIX, as conquistas que viriam com o século que se iniciava. Numa sequência de três livros – O século XX (1883), A guerra no século XX (1887), O século XX: a vida elétrica (1890) – Robida intuiu bem certas necessidades que já se esboçavam em seu tempo, mas parece ter errado feio nas respostas que seriam dada a cada uma delas. Seu limite é claro: ele só pode imaginar oLeia Mais

Pichação como cicatriz

Ronaldo Entler | 6.mar.2017

A experiência da Revista Bondinho

Rubens Fernandes Junior | 4.fev.2017

Sou “revisteiro” assumido e já declarei minha paixão pelas revistas, principalmente por aquelas que fizeram história e hoje estão quase esquecidas pelas novas gerações. Gostaria de recuperar um título pouco conhecido cuja experiência é importante para entendermos algumas das articulações desencadeadas nos anos 1970 para a sobrevivência do jornalismo sério e competente em plena ditadura. Trata-se da revista Bondinho, de periodicidade quinzenal, editada  por Arte & Comunicação, que também editava a Grilo, de quadrinhos, e a Revista de Fotografia. Inicialmente Bondinho foi patrocinada pelo Grupo Pão de Açúcar que aLeia Mais
No lugar mesmo: uma antologia de Ana Maria Tavares é uma das exposições imperdíveis que estão agora em cartaz em São Paulo. Ela permite enxergar a extensão de uma pesquisa muito coesa e ainda em curso, que desdobra problemas colocados inicialmente pela escultura numa diversidade de linguagens. O resultado é imponente: a artista é meticulosa com a apresentação de cada trabalho, as formas e os materiais têm forte apelo sensorial, e as instalações de grande porte e a intervenção nas paredes da Pinacoteca ocupam efetivamente o generoso espaço que foiLeia Mais

Westworld: o bordel das narrativas

Ronaldo Entler | 16.dez.2016

Westworld é uma série da HBO que aborda o velho tema da inteligência artificial por meio de uma combinação improvável, mas bem sucedida: ficção científica e western. A série joga com os chavões de cada gênero, mas traz também referências de seus melhores exemplares, como Blade Runner e Os Imperdoáveis. É baseado no filme homônimo, de 1973. Evitarei spoilers! Westworld é um parque temático onde turistas fazem uma imersão muito realista pelo Velho Oeste norte-americano, interagindo com androides – chamados de anfitriões – que são programados para cumprir personagens próprios doLeia Mais
Eis aqui parte do ensaio Dicionário de Favelas, que integra o livro Fotograficamente Rio – a cidade e seus temas. Uma organização da historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense, Ana Maria Mauad*. Trabalho que fiz em parceria com Mariana Lacerda**. Em 2013, subimos o morro de Santa Marta, na zona sul do Rio de Janeiro, acompanhados por Vitor Lira, um morador da parte mais alta do morro, do local conhecido como Pico. Vitor então líder da Comissão de Moradores do Pico do Santa Marta que se organizou para lutar pela manutençãoLeia Mais
Encerra-se neste fim de semana a exposição Cinema Lascado, de Giselle Beiguelman (curadoria de Eder Chiodetto), na Caixa Cultural-SP. No mesmo local, o público pode ver também A Valise Mexicana, com fotografias da Guerra Civil Espanhola feitas por Robert Capa, Gerda Taro e David “Chim” Seymour (curadoria de Cynthia Young). Em comum, essas exposições testemunham os descaminhos a que as imagens estão sujeitas. Mas elas se complementam justamente por mostrar duas posturas distintas que convocam do olhar: Cinema Lascado assume a “perda” – palavra destacada pela própria artista – como elementoLeia Mais

Lily Sverner – Para ver sem pressa

Rubens Fernandes Junior | 5.ago.2016

Sem dúvida, Lily Sverner é uma artista que pertence a seu tempo; um tempo presente condicionado pelos ecos do passado. Ela vê o mundo sem pressa. Vê e registra seu momento como se buscasse suspender a passagem do tempo. Cada uma das suas fotografias parece muito mais com um fluxo contínuo de lembranças vividas com intensidade. Para ela, a fotografia se tornou uma fantástica ferramenta para exaltar o que surge e desaparece na incrível velocidade cotidiana. Mas, Lily não tem pressa. Em suas imagens nos deparamos com a interrupção deLeia Mais

Caio Prado Jr. fotógrafo

Rubens Fernandes Junior | 26.abr.2016

Recentemente tive acesso ao livro Caio Prado Jr – o legado de um saber-fazer histórico, editado em 2013 pela Hucitec e organizado por Antonio Gilberto R. Nogueira e Adelaide Gonçalves, ambos professores do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará. A edição é composta de 7 ensaios e uma preciosa cronologia. O ensaio que chamou minha atenção é assinado pelo Antonio Gilberto R. Nogueira, denominado “O Nordeste em diapositivo: o viajante, o fotógrafo e a escrita da história”. Antonio Gilberto torna público,Leia Mais
Wim Wenders tem uma relação intensa com a fotografia: ele produziu um corpo de trabalhos importante, usa fotos como ferramenta de pesquisa na produção de seus filmes, incorpora com frequência imagens e personagens fotógrafos às suas histórias e, vez ou outra, aventura-se a teorizar sobre essa linguagem. As trasnformações tecnológicas da fotografia são para ele um tema sensível. Houve um tempo em que Wenders depositava boa dose de confiança na capacidade dessa imagem de produzir uma relação intensa entre o olhar e o mundo. É pela fotografia que Phil, o jornalista em crise deLeia Mais

Umberto Eco, a internet e o ornitorrinco

Ronaldo Entler | 20.fev.2016

Neste artigo de 1996, Umberto Eco relata a experiência de procurar a palavra platypus (ornitorrinco) numa ferramenta de busca na internet. Som humor, ele toma esse animal estranho como uma metáfora do corpo de pensamentos fragmentados que as redes já construíam. Chamem-no Platypus ou Ornitorrinco, o fato é que ele é muito popular por Umberto Eco  [1] Sou um sincero admirador do ornitorrinco (ou platypus), talvez porque tive a oportunidade de vê-lo ao vivo na Austrália, mas também porque ele parece ter sido criado por Deus ou pela Natureza para pôr em questão nosso aparatoLeia Mais
A Folha de S. Paulo repercutiu a polêmica envolvendo o jovem artista brasileiro Andrey Zignnatto, que foi acusado pelo crítico Maxence Alcalde de plagiar obras do francês Vincent Mauger (“A espinhosa questão do plágio na arte contemporânea“). A conclusão se baseia numa semelhança desconcertante e numa questão de cronologia: Mauger fez antes, Zignnatto fez depois. O texto não traz nenhum fato que demonstre que um artista conhecia a obra do outro. Não conheço Zignnatto e não posso dizer de onde vêm suas referências. Talvez se trate mesmo de plágio. Mesmo assim,Leia Mais
Adelaide Ivánova escreve. Escreve com tanta frequência, produz tanto, que, penso, escreve até mais do que vive. Seu texto é urgente, imediato. Sempre com um gosto de uma conversa impulsiva. Suas palavras me chegam radiosas, incontroláveis; ora machucadas, arranhadas, escapulidas de uma ebulição qualquer. Mas este post aqui, na verdade, é sobre um outro matiz de seu trabalho, um livro de fotografias recentemente publicado. Primeiras lições de hidrologia – e outras observações é, ao mesmo tempo, um álbum de família e um guia crítico do Recife. Adelaide mostra uma cidadeLeia Mais

A fotografia e o desejo de happening

Ronaldo Entler | 15.set.2015

Ao mostrar Jackson Pollock em ação, os registros de Hans Namuth (1950-51) deram um desenho mais nítido àquele corpo em movimento que já era de algum modo visível nas próprias pinturas. O gesto pode ser intuído de qualquer pintura, seja um Rembrandt, seja um Van Gogh mas, no caso de Pollock e de todos os pintores que foram associados à Action Painting, a reconexão de um resultado com esse gesto que lhe deu origem é um dos sentidos almejados pela obra. Na medida em que os artistas se abrem a tantas novas experimentações, acentua-se o desejoLeia Mais
O sucesso de um livro é normalmente medido pelo número de edições que alcança. Mas esse raciocínio não vale para A ilusão especular, de Arlindo Machado, publicado em 1984 numa parceria entre a editora Brasiliense e o Instituto Nacional de Fotografia da Funarte. Esgotado há décadas, sabemos que as universidades brasileiras nunca deixaram de incluir esse título na bibliografia de seus cursos de comunicação e artes, e o texto permanece citado de modo recorrente nas dissertações e teses dedicadas à fotografia. Somente agora, três décadas depois de seu lançamento, ALeia Mais