Isso foi no “tempo do Raj” – no tempo do vice-rei que representava o domínio imperial britânico sobre a Índia. Esperava-se que os príncipes da Índia o visitassem, periodicamente. Nessas ocasiões, nada de importante realmente se decidia, perdoavam-se impostos e anistiavam-se presos, no máximo. Na realidade, tais reuniões não passavam de uma confirmação cerimoniosa da soberania da Coroa Britânica sobre a Índia. O maior desses príncipes inidanos era Mahbub Ali Kahn, o sexto Nizam de Haiderabade. Numa manhã de segunda-feira, na década de 1880, o Nizam chegou a Delhi, em seu trem privado, para a visita oficial. Mas, apesar de previamente solicitado, o vice-rei não permitiu que o elefante do príncipe esperasse por ele na plataforma da estação. Mahbub, como se poderia dizer na época, “não se fez de rogado”. Sentou-se ali mesmo, com toda a calma. Fez suas refeições, jogou baralho com os nobres, permanecendo assim com seu séquito, junto ao trem, à espera do elefante. Passaram-se dois dias e o tráfico ferroviário no Norte da Índia entrou em colapso, pois os trens dos demais 561 príncipes, sem poder aproximar-se da estação, criaram um congestionamento que se estendeu por centenas de quilômetros. O vice-rei afinal cedeu e permitiu a entrada do animal na estação. Mahboub montou impassível seu elefante, tomou o rumo do palácio do governo e, diante de um vice-rei perplexo, jurou obediência à Coroa como se nada tivesse acontecido. Um dos filhos da Rainha Vitória, o Duque de Connaught, ouviu “de príncipe para príncipe”, da boca do Nizam, durante uma caçada de tigres, o contrassenso que lhe pareceu a atitude do vice-rei: “de que adianta alguém ter um elefante se é preciso caminhar até ele?”
Além de elefantes, a corte do Nizam também dispunha de um fotógrafo: Raja Deen Dayal, um dos poucos profissionais nativos, no século XIX, a gozar de prestígio entre as elites locais e europeias. Era presença indispensável em caçadas de tigre como essa, de 1894, em que Sua Alteza posa vitorioso, em trajes coloniais, junto a suas presas.
Eu sei… até agora ainda não cheguei a meu “falso falso”, mas aí está ele. É uma litogravura cujo título apresenta uma estranha mistura de línguas: Thiergarten in England. Mas o estranhamento não é apenas esse. Thiergarten é um lugarejo alemão sem maior importância e era inimaginável que ele tivesse se mudado para Inglaterra. O erro logo ficou óbvio. Tratava-se de (um) Tiergarten – um parque, um “jardim zoológico”, como o primeiro, criado em Viena, em 1752, o Tiergarten Schönbrunn. Com algum esforço, consegui identificar a origem da gravura. Ela veio do sexto e último volume da Neue Bildergalerie für die Jugend, publicado em 1833, um álbum para educação das crianças e jovens contendo uma coleção de gravuras de diferentes partes do mundo, acompanhadas de informações geográficas, históricas e sobre história natural – o tipo de álbum ilustrado que logo será substituído por coleções de vistas fotográficas e estereoscópicas.
Talvez o autor da gravura não soubesse escrever corretamente em alemão ou, o que também era provável, a palavra zoo ainda não fosse corrente na Inglaterra da época. De fato, o Jardim Zoológico de Londres era coisa recente. Havia sido criado em 1827, mas era um clube fechado, frequentado apenas pelas famílias dos sócios abastados. Ele só será aberto à visitação pública na década de 1850. Essa gravura, provavelmente de 1830, corresponde a esse período inicial e mostra dois elefantes indianos, o primeiro deles banhando-se em um lago artificial. A mesma civilização ocidental que determinava que elefantes não deviam frequentar estações de trem, havia começado a reservar espaços em suas cidades para que esse animais pudessem ser observados por seus habitantes.
John Berger, autor de vários ensaios sobre a fotografia argumentou em “Why look at animals?” que os zoológicos se popularizaram no Ocidente quando os animais começaram a sumir da vida cotidiana, sendo substituídos por brinquedos que passaram a representá-los de maneira cada vez “verossímil” e mais “fofa”. John Berger lamentava, nesse texto de 1971, que os zoológicos fossem esse lugar que as crianças visitam para ver os “originais” das “reproduções” que possuíam em seus quartos. Nada sei sobre esses dois primeiros elefantes de Londres, mas seu sucessor foi seguramente o mais famoso paquiderme do século XIX. Na condição de primeiro elefante africano em um zoológico europeu, seu nome se tornou sinônimo de coisa grande: Jumbo. Atraiu multidões entre 1865 e 1882, não apenas em virtude de seu tamanho, mas porque Scotty, seu tratador, o levava para passear pelas alamedas cheias de visitantes. Foi graças a Jumbo que a palavra zoo entrou definitivamente na língua inglesa. A canção popular de maior sucesso em 1867 foi largamente responsável por isso, pois alardeava “Walking in the Zoo is the OK thing to do”.
Em 1882, Jumbo foi vendido a um circo norte-americano e anunciado com um slogan que também se tornou célebre: “O maior espetáculo da Terra!”. O cartaz, que divulgava a nova atração como o “maior elefante do mundo”, mostra a trajetória do animal desde sua captura na África até o desembarque nos Estados Unidos. Exagero publicitário: Jumbo havia chegado praticamente bebê a Londres e foi logo entregue a Scotty – o único a quem obedecia e que, por isso, foi igualmente contratado pelo circo.
No início do século XX, o príncipe de Haiderabade também já havia concluído sua transição para formas ocidentais de ostentar riqueza e poder. Aderiu aos passeios motorizados e, em 1908, sua frota contava com 30 automóveis. Um deles aparece aqui, pilotado por Hakim Abdul Razaak, médico pessoal de Sua Alteza. Um médico motorizado parecia essencial aos passeios do Nizam. Sua Alteza havia se tornado um amante da velocidade e seu motorista chefe era um cidadão inglês, verdadeiro ás do volante. Uma vez, para agradar o patrão, saiu em disparada pelas ruas da cidade e acabou atropelando e matando uma indiana idosa. O príncipe ficou tão abalado que presenteou generosamente a família da vítima. Depois disso, toda vez que saía a passeio, uma legião de batedores devia antecipar-se e tirar do meio da rua os idosos postos deliberadamente no caminho por seus parentes pobres.
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Para entender a série Os falsos falsos, um fragmento do primeiro artigo: “Há alguns anos comecei a comprar em leilões na internet obras de autoria desconhecida, sem assinatura ou com assinatura dita “indecifrável”. (…) Imagino que boa parte do que circula por aí nessas condições sejam obras falsas que já caíram no descrédito, mas uma parcela, que suponho significativa, é de trabalhos que foram esquecidos nas paredes de pais e avós, presentes recebidos não se sabe mais de quem, raspa de tacho de heranças e divórcios. (…) Essa é a segunda parte do processo: levar um quadro anônimo para casa e me divertir tentando descobrir (ou, às vezes, inventar) seu “autor” ou sua “história”. Quando essa história fica em pé – e a imagem redimida por meio dela –, a peça torna-se um “falso falso”.”