Na semana passada participei como convidado dos Encontros de Agosto, realizado em Fortaleza, iniciativa do Fórum da Fotografia – Ceará. A primeira edição do evento teve como tema geral Fotografia Contemporânea – linguagem e pensamento e contou com seminários, palestras, exposições e workshops. Essas atividades buscaram refletir as questões próprias da fotografia, em particular sua inserção no campo das artes. Minha participação se deu através de uma rápida palestra denominada A internacionalização da fotografia brasileira, a partir de uma provocação feita por Tiago Santana.
Aliás, essa provocação gestou um novo projeto, já em andamento, que irá tratar desse tema que se mostrou fascinante como investigação necessária para melhor compreender a importância da fotografia brasileira contemporânea no panorama internacional. O lançamento do livro de Tiago Santana na emblemática coleção francesa Photo Poche foi o ponto de partida para tentar problematizar a questão.
Numa primeira investida, busquei olhar retrospectivamente para a nossa fotografia. Entendo o presente como um conjunto de ações e de forças que pulsaram em diferentes momentos do passado. Como sabemos o novo gesta-se através das experiências anteriores, e foi com essa compreensão que materializamos a história da fotografia brasileira e sua reconhecida trajetória. Basta uma rápida leitura diacrônica para entendermos seus significativos marcos históricos.
O tema proposto me permitiu olhar para 171 anos de fotografia brasileira e pensar os possíveis períodos em que nossa produção de alguma forma reverberou em outros países. Claro que a cada período os interesses foram distintos mas, mesmo assim, não passou desapercebida a importância da fotografia como técnica e documentação, expressão e linguagem. Assumi inicialmente que essa internacionalização se deu em quatro diferentes períodos assim denominados:
- As exposições universais – olhar o Brasil, mostrar o Brasil – 1840 – 1922
- A dinâmica do fotoclube e a fotografia documental – 1923 – 1975
- O recomeço – a singularidade se impõe – 1976 – 2000
- Século XXI – a globalização consolidada, um mundo sem fronteiras – 2001 – 2011

Verso de Carte de Visite: Pacheco & Filhos
O primeiro período dá importância às Exposições Universais, que são hoje identificadas como a síntese da sociedade cosmopolita da época. As exposições universais exibiam a grandeza do conhecimento humano nas áreas das ciências, da agricultura, das atividades liberais, das artes industriais, das belas artes, entre outras. A fotografia foi uma forma de representação da sociedade burguesa, que através das exposições buscou disseminar um programa ideal de civilização e modernidade.
Em 1851, o imperador D. Pedro II atribui o título de “Photographo da Casa Imperial” ao estúdio Buvelot & Pratt, tornando-se o primeiro monarca do mundo a criar esta denominação (a Rainha Victoria da Inglaterra só o fez dois anos mais tarde). O Brasil propaga sua imagem: tanto a produzida pelos fotógrafos estrangeiros, cuja visão era pontuada pelo olhar etnocêntrico de uma Europa civilizada, quanto pelos fotógrafos que aqui se instalaram e decidiram assumir mostrar as singularidades de um país de futuro econômico promissor. Nas dezenas de exposições realizadas em Londres, Paris, Viena, Filadelfia, Chicago, Buenos Aires, Amsterdam, Saint Louis, a fotografia brasileira colecionou prêmios, medalhas e outras honrarias. O Brasil realizou duas grandes exposições universais, em 1908 e 1922 – Centenário da Abertura dos Portos e Centenário da Independência, respectivamente, ambas na cidade do Rio de Janeiro. A realização dessas exposições está associada ao trabalho, progresso, civilização e a inventários da grande família humana.

Salão Internacional de Arte Fotográfica, Foto Cine Clube Bandeirantes, 1952
O segundo período, que caracteriza outra inserção da fotografia brasileira na produção mundial, se traduz pela presença dos fotoclubes na cena cultural da fotografia. Esse movimento se consolida através do PhotoClub Brasileiro, inaugurado em 1923, e do Foto Clube Bandeirante, inaugurado em 1939. Uma das premissas do movimento era estar inserido na ampla disseminação da fotografia através dos salões internacionais. Para isso, uma fotografia ganhava tanto mais status quanto maior o número de carimbos e selos que a cópia adquiria em sua trajetória.
Podemos destacar por exemplo a atuação de José Oiticica Filho que, até 1954, já tinha participado de 429 salões internacionais e somado 921 aceitações nacionais. Quantitativamente atingiu o máximo e foi o fotógrafo brasileiro de maior destaque nessas competições. Mas, para que tantos salões e tantas aceitações? Foi exatamente esse caráter competitivo que afastou as melhores iniciativas de linguagem produzida pelo movimento a partir da segunda metade década de 1940.
Outro aspecto interessante desse período foi a presença de vários fotógrafos estrangeiros que se instalam no país na segunda metade da década de 1940. Entre eles, destacamos Jean Manzon, Pierre Fatumbi Verger, Marcel Gautherot, cujos trabalhos foram publicados na revista O Cruzeiro e em livros bilingues (alguns deles publicados pela Kosmos) que objetivavam divulgar a imagem de um país em pleno florescimento. Mais tarde contamos com a presença de Maureen Bisilliat, Claudia Andujar, David Zingg, Lew Parrela, George Love, que vão imprimir uma nova perspectiva para a fotografia brasileira. Em sentido contrário, destacamos a presença do paulista Otto Stupakoff na revista Haper’s Bazaar, entre outras, tornando-se efetivamente o primeiro fotógrafo brasileiro a ganhar o mercado editorial internacional.

Revista Popular Photography, com reportagem sobre Hercules Florence
Caracterizamos como o início terceiro período o ano de 1976, pois foi neste ano que Gilberto Ferrez realizou com Weston Naef uma exposição com sua coleção de fotografias brasileiras do século XIX na cidade de Nova York. No mesmo ano, Boris Kossoy anunciou as experiências de Hercules Florence, inserindo o Brasil como um dos países presentes na descoberta da fotografia e isso teve ressonância internacional, sendo publicado nas principais revistas e jornais do mundo. Mais tarde, temos a presença do carioca Alécio de Andrade na Agência Magnum.
No final dos anos setenta, a fotografia brasileira se fortaleceu com o aparecimento do Núcleo de Fotografia da Funarte, futuro Instituto Nacional da Fotografia. Na década seguinte, realiza as semanas nacionais e a fotografia brasileira é destacada nas revistas Clichés, European Photography, Zoom, Popular Photography, Photo, entre outras. É nesse período que nossa singularidade se impõe e ganha espaço nos eventos internacionais – Mois de la Photo, em Paris e FotoFest, em Houston, entre outros.
Em 1991 é criado a Coleção Pirelli-Masp de Fotografia e o NaFOTO – Núcleo dos Amigos da Fotografia, que assume naquele momento, entre suas várias proposições, a internacionalização da fotografia brasileira, ou seja, divulgar, valorizar e inserir sua produção no circuito internacional de exibição. Também entre 1996 e 2000 é realizada a Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba. No final desse período a fotografia brasileira se consolida principalmente através dos trabalhos expressivos de Mario Cravo Neto, Miguel Rio Branco, Carlos Freire, Sebastião Salgado, Rosângela Rennó, Cláudia Andujar, Alair Gomes, entre outros.
Finalmente, chegamos ao quarto período: Século XXI – a globalização consolidada, um mundo sem fronteiras. Em síntese, podemos afirmar que as feiras internacionais, como por exemplo, a London Art; a Arco, de Madrid; o Paris Photo; Ipad –International Photographers Art Dealers, a Art Basel, de Miami, são parcialmente responsáveis pelo interesse despertado e pela presença da fotografia brasileira em museus e galerias de todo o mundo. Além disso, vale destacar a criatividade da nossa fotografia que somadas à ação de curadores e galeristas brasileiros, despertam um enorme interesse pela nossa produção contemporânea.
Em síntese, os quatro períodos representam e sintetizam o processo de internacionalização da fotografia brasileira. Agora, o desafio é preencher as lacunas e aprofundar a reflexão sobre a questão. Tenho certeza que teremos uma nova visão da história da fotografia a partir desse recorte que busca compreender a trajetória através da aceitação da sua produção no plano internacional.
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