Os tios mais velhos reclamam porque nunca poderão ver aquelas centenas de fotografias produzidas em uma festa familiar. Em contrapartida, as crianças se deliciam com o imediatismo das múltiplas telas luminosas que mostram essas mesmas fotografias reclamadas passando de mão em mão. Enfim, o clássico conflito de gerações entre os mais velhos e os mais jovens, só que desta vez muito mais acentuado, uma vez que exige algum domínio técnico e demais complexidades. Na verdade, existe entre eles uma enorme diferença perceptual que envolve justamente o ato de fotografar (ritual que se consolidou ao longo da história), e o ato cada vez mais imediato de ver a imagem constituída numa tela. Uma conversão técnica tão inimaginável anos atrás que chega a surpreender e causar perplexidade até mesmo nos mais crédulos.
Se, por um lado, há um encantamento e uma euforia pela imediata visão daquilo que acaba de acontecer – e isso satisfaz nossa insaciável curiosidade –, por outro, decepciona parte daqueles que, apesar de distanciados das telas, aprenderam a entender o ato fotográfico como o registro de momentos vividos pela humanidade e que seriam visualizados posteriormente, em outras circunstâncias. Estes últimos, ao longo de mais de 170 anos de história, aprenderam a olhar não somente para esta realidade fotografada, mas também para a realidade das imagens e, naturalmente, para as próprias imagens.
A relação que temos hoje com a fotografia com certeza é de outra ordem. Gostaria de refletir sobre esta questão e percorrer alguns dos caminhos que possibilitam uma nova compreensão do processo de fotografar, disponibilizar, arquivar e ver imagens digitais que circulam livremente através das telas. Nesse estado de incerteza que nos encontramos, penso que seja necessário avaliar tanto esse momento de total euforia em relação à atual tecnologia de produção e circulação de imagens, quanto o desencanto daqueles que estão impossibilitados de ver a fotografia materializada na sua plenitude enquanto objeto. E, por favor, não se trata de saudosismo, muito menos de conservadorismo.
É inegável que hoje quando vemos fotografias, a tela é o suporte e quase sempre nos encontramos sozinhos diante dela. Esse ato solitário, muitas vezes solidário, ou seja, em conexão, é resultado de um forte apelo comercial que impõe necessidades de termos várias tecnologias de acesso que permitem o isolado ato de ver. E, eventualmente, de compartilhar. Há uma mudança sintomática que aparentemente pode parecer revolucionária para o nosso tempo, mas na verdade, um olhar retrospectivo é suficiente para entender que, desde o início da produção da imagem técnica, o ato de ver se converteu num exercício de imersão introspectiva.
O filósofo francês Paul Ricoeur (1913 – 2005) nos lembra que “é preciso reencontrar a incerteza na história”. Olhar um daguerreótipo, por exemplo, é buscar o melhor ângulo de incidência de luz a fim de dar visibilidade à imagem que nos traz uma estranha sensação de choque perceptivo. Objeto único, o daguerreótipo anunciava uma longa trajetória a ser percorrida pela imagem técnica e possibilitou a primeira compreensão de que fotografias pertencem a um regime de particularidades. Podemos saltar para o cinetoscópio idealizado pelo inventor norte-americano Thomas Edison (1847-1931) que, em 1891, patenteou o equipamento – uma caixa com imagens gravadas numa película com cerca de 15m, enroladas numa bobina que, quando acionada, permitia a visualização do movimento. Pagava-se para ter essa mágica sensação intermediada por um visor individual.
Qual é a diferença entre colocar uma moeda para poder assistir um exercício fílmico de Edson e conectar-se ao You Tube para assistir um vídeo? O avanço tecnológico foi dotando a humanidade de artefatos que ampliaram significativamente a possibilidade receptiva, mas ao mesmo tempo, notamos o aparecimento de mediações cada vez mais complexas entre os homens, e entre estes e a realidade. Mas a recepção continua sendo um ato solitário. Hoje, as imagens se propagam com tal velocidade que, em questão de minutos entre o fazer e disponibilizar, curtir e compartilhar, tornam-se irrelevantes, ou seja, invisíveis, descartáveis.
No geral, todos ficam fascinados com sua própria imagem. Um espírito narcisista domina a sociedade contemporânea que publica sem piedade seu próprio cotidiano. Esse uso exacerbado da primeira pessoa pelo sujeito não tem nada de insubordinação ou produção de conteúdo transformador; tem sim a forma de um discurso antipolítico, desprovido de qualquer natureza crítica.
Os mais indignados podem resistir a esta etapa de produção e circulação de imagens; os encantados com as tecnologias devem surfar intensamente o novo momento; mas os observadores atentos podem traduzir essa etapa como o vazio silencioso de uma civilização mobilizada pela imagem técnica que, por sua vez, hegemônica e padronizada, desencanta e não provoca emoção alguma neste novo começo. Esse é o desenho social imposto pela facilitação tecnológica trazida pela globalização: um enorme espelho que propaga uma profusão de imagens inúteis, que se propõem duradouras, mas são apenas efêmeras fotografias.
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