Por ocasião da terceira edição do Festival de Fotografia de Tiradentes, realizado entre 4 e 10 de março, tive o prazer de me encontrar diariamente com Maureen Bisilliat que acompanhava a montagem de sua exposição Adesão: Junção/Ligação/União – fotografias escolhidas para transformação. Achou estranho e longo o título? Na verdade, foi surpreendente para todos nós como Maureen, no alto dos seus 82 anos, mostrava sagacidade e talento para provocar a mais excitante experiência fotográfica do festival.
A exposição montada no espaço do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) foi, sem dúvida, a mais ousada do festival, e sintetiza seu envolvimento com o projeto do livro Maureen Bisilliat, da coleção Fotógrafos Viajantes da Terra Virgem Editora. Em novembro de 2011, por ocasião de seu lançamento, ela anotou em meu exemplar: “para você Rubens este pequeno livro, curioso – atrevido e, de certa maneira, até desconhecido para mim”, o que mostra sua disponibilidade de enfrentar suas fotografias de maneira diferente a cada momento e de pensá-las a partir de outras configurações simbólicas.
Os mais próximos conhecem a incrível capacidade que ela tem de editar fotografias – as suas e as dos outros. Tive oportunidade de vê-la em ação em algumas ocasiões, e posso afirmar que seu olhar experiente e esperto consegue dar densidade e abrangência a um conjunto de imagens, potencializando a ideia que acompanha o fotógrafo a cada instante. Uma competência que trouxe para muitos dos seus próprios livros, que se transformaram em paradigmas de edição fotográfica.
Maureen assumiu mostrar as fotografias do novo livro juntamente com algumas das provas de impressão em que a paginação se apresenta de forma peculiar. É justamente essa aparente confusão na justaposição das imagens que ela pretende explorar e nos propor à reflexão. Ela contempla essa imprecisão no livro ao escrever: “O início de um projeto pertence ao desconhecido, pede modéstia, pois nada sabemos do que está por vir. É um desafio. O trabalho é um entregar-se e um perder-se sem limites para talvez se achar alguma coisa no final. A fotografia não é uma conclusão senão um questionamento, o mais importante é que haja envolvimento…”.
A indefinição assumida desde o início, seja no projeto deste livro, seja em toda a sua trajetória, é que a torna uma das artistas mais provocativas e instigantes das últimas décadas. Basta um olhar retrospectivo e podemos entender sua exposição em Tiradentes. Lá, ela confrontou sua edição, indefinida inicialmente conforme texto acima, com o acaso da paginação maquínica que recoloca suas fotografias em outra ordem e, segundo a artista, “de modo mais ousado e aleatório”, tal qual jamais pensaria em fazer.
“A fotografia, na verdade incapaz de explicar o quer que seja, é um convite inexaurível à dedução, à especulação e à fantasia”, defende Susan Sontag. E, mais uma vez, a agitação criativa e fantasiosa de Maureen foi capaz não só de movimentar o evento, e se tornou a energia mais eletrizante do festival. A potência do acaso reuniu fotografias aparentemente desconexas e inconciliáveis e foi isso que gerou o “extraordinário”, como ela afirmou inúmeras vezes ao longo da semana. Os mais jovens ficaram desconcertados diante daquela senhora que flutuava nas ruas de Tiradentes como se tivesse emergido das entranhas da história para mostrar suas fotografias sem tempo nem lugar. Os retratos e as cenas maquínicas, realizados para os mais diferentes ensaios, quando justapostos para a exposição, apresentam como resultado imagético uma atmosfera misteriosa, carregada de surpresa e permeada pela dúvida da estranha beleza de rostos envoltos pelo manto de íntima serenidade.
O que fica é a eterna sensação de que Maureen Bisilliat é capaz de reintroduzir em sua fotografia, produzida em diferentes tempos, novas cargas afetivas oferecendo-nos o essencial, seja no grande close do rosto anônimo, seja no acaso produzido pela mediação tecnológica. Mais uma vez, ela nos surpreende ao valorizar a forma imperfeita, os conjuntos assimétricos e as sintaxes imprevistas geradas ao acaso. A mostra iconiza sua apreensão criativa concebida no terreno do imaginário e fortalece sua capacidade de gerar novas associações imagéticas. Deslumbrante e perturbadora experiência para aqueles que acreditam na arte como a responsável por intensificar as relações e as emoções do cotidiano.