Num lance de dados, Mallarmé, poeta e esteta do século XIX afirmou que tudo no mundo existe para terminar em livro. Susan Sontag em um dos seus ensaios reforçou essa ideia adiantando que tudo termina em fotografia. Com boa dose de precisão, hoje é possível ampliar ainda mais a ideia e afirmar que tudo terminará num livro de fotografia. O sonho de todo fotógrafo é ver o seu trabalho editado e publicado em livro. Afinal, o livro bem impresso e acabado mostra um momento de maturidade profissional do autor e muito contribui para nossa pobre memória visual.
O parágrafo acima escrevi na saudosa revista IrisFoto, no final de 1988, ano em que foram publicados cerca de seis livros de fotografias, e isso representava uma enorme e significativa conquista no mercado editorial. No final dos anos setenta, o grande Moracy de Oliveira escrevera nas páginas do Jornal da Tarde que, sem duvida, o período entraria para a história como aquele em que mais se publicou livros de fotografia. Consolidar a presença do livro como consequência natural de um processo de criação foi uma doce ilusão, pois foi preciso mais de duas décadas para concretizar alguma regularidade na publicação de livros dedicados à fotografia.
O recesso quase obrigatório do final de ano também me forçou a diminuir o ritmo de trabalho. Com isso, tive mais tempo para olhar e avaliar com cuidado as dezenas de livros de fotografia que tive acesso, a partir das últimas semanas de 2012. Essa oportunidade de conviver com a fotografia e com seus criadores não só nos enriquece como também nos aproxima de parte expressiva dessa produção imagética, em particular, aquela que se multiplica nas páginas dos livros e dos catálogos.
É incrível como se ampliou a publicação de livros de fotografia no Brasil. Não tenho os dados oficiais da Câmara Brasileira de Livros, mas é notório esse crescimento exponencial que, numa apressada avaliação, parece-me proporcional ao aumento expressivo da produção e circulação das imagens técnicas. Afinal, a fotografia além de possibilitar uma comunicação mais direta e imediata, está hoje ao alcance de todos, indistintamente.

Entre Morros, de Claudia Jaguaribe (2012)
A cada ano, vemos multiplicar a produção de livros, catálogos, calendários, entre as várias possibilidades de aplicação da imagem fotográfica. Interessam-nos os livros pois, diante de tão assustadora produção, pergunto-me se tudo é realmente imprescindível. As atuais leis de incentivo – municipal, estadual e federal – dão suporte para que o livro seja viabilizado, mas sabemos o quanto a sua distribuição é dificultada pelas próprias instituições culturais que não possuem suporte material nem vontade política para fazê-la. Os equívocos são assustadores. Mas isso demonstra alguma maturidade ou só favorece o oportunismo do mercado?
Diante da grandeza numérica dessas publicações, de diferentes formatos, alguns até bem esquisitos e outros pesados e de difícil manipulação, há o que se destacar. Dentro do mainstream, quero lembrar o livro Entre Morros (Cosac Naify), fotografias de Cláudia Jaguaribe que, apesar do grande formato, conta com um projeto gráfico que sustenta a verticalidade das imagens, entrecortada pela horizontalidade de alguns panoramas que dão um interessante ritmo à leitura. Fora da panaceia produtiva e dos excessos, também se destacam outras publicações, tanto pelas suas características intimistas, quanto pelas qualidades intrínsecas ao projeto fotográfico.
Saltam aos olhos a simplicidade e a sofisticação de livros como Welcome Home, fotografias de Gui Mohallem, Moscouzinho, fotografias de Gilvan Barreto, e Em Jogo, fotografias de Thomaz Farkas. São três produções bem distintas entre si, mas que trazem como ponto em comum o cuidado e a qualidade gráfica. Ao mesmo tempo, marcam presença na cena editorial pelas suas especificidades em termos de produção e distribuição. Acredito que é nessas pequenas e inspiradoras atitudes que se concentram as diferenças que poderão dar a longevidade pretendida pela publicação.

Welcome Home, de Gui Mohallem (2012)

Welcome Home, de Gui Mohallem (2012)
Gui Mohallem vendeu antecipadamente parte de seus livros via uma rede ampla e colaborativa que viabilizou seu sonho de ver o projeto concluído. Impresso na China e com tiragem de mil exemplares, o livro é uma ótima surpresa, tanto na sua narrativa aberta à imaginação, quanto como produto customizado (feito sob medida), do ponto de vista autoral.

Moscouzinho, de Gilvan Barreto (2012)

Moscouzinho, de Gilvan Barreto (2012)
Já Gilvan Barreto teve o suporte das leis de incentivo do estado de Pernambuco e da editora Tempo d’Imagem para concretizar seu projeto que, de forma poética, pretende inserir na historia do Brasil um fato político ocorrido em Jaboatão dos Guararapes que, nos anos 1940, elegeu o primeiro prefeito comunista do país. São mil e trezentos exemplares e representa a primeira incursão da editora num projeto mais experimental, que ousa propor uma narrativa através de imagens que pertencem ao território afetivo do fotógrafo.

Thomas Farkas, Pacaembu, foto de 1942
Finalmente, o livro de Thomaz Farkas (1924 – 2011) editado pelo Instituto Moreira Salles. Em Jogo traz 21 fotografias do jovem Farkas feitas no Estádio do Pacaembu, entre 1942 e 1946. O livro tem tiragem limitada e numerada – 350 exemplares – conta com a parceira de excelência da Ipsis gráfica e editora, e comemora os vinte anos de presença constante do instituto na cena fotográfica brasileira.
Cada um dos livros citados mereceria um comentário mais específico, já que são muitas as particularidades dos projetos. Quem sabe em outra ocasião. Espero ainda que todos tenham depositado um exemplar na Biblioteca Nacional. É isso que garantirá sua visibilidade para as futuras gerações.
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