Em semana de Copa do Mundo é inevitável falar de futebol. Há algumas semanas, fiz um comentário sobre Teatro e Fotografia, quando defendi que o fotógrafo tem uma participação diminuta na construção da imagem fotográfica teatral, já que há a direção de cena, a iluminação, a expressão corporal, entre outras variáveis que não são de seu controle e responsabilidade. No caso de um jogo de futebol, em que supostamente predomina a imprevisibilidade, a atenção do fotógrafo é fundamental para o registro do instante decisivo e efêmero da partida.
Afora o estilo dos técnicos e dos jogadores, nada num jogo de futebol pode ser previsto. É exatamente isso que move inúmeros profissionais que se dedicam a flagrar os momentos mais fascinantes de uma partida – exatamente aqueles que mudam o rumo da história do jogo. E não precisa ser necessariamente o momento do gol. Aqui entra uma questão interessante, pois os jogadores sabem de antemão que estão sendo registrados em vídeo e fotografia. Será que, diante disso, não poderíamos supor alguma previsibilidade gestual?
Roland Barthes, em seu clássico A Câmara Clara defende que “a partir do momento em que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: preparo-me para a pose, fabrico instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem”. No caso de um jogo de futebol é quase impossível prever ou pré-visualizar algum lance, sendo assim, como poderia o jogador “fabricar” alguma pose ou anunciar algum gesto?
Por exemplo, esta fotografia ao lado (infelizmente não encontrei a autoria) teria sido a primeira imagem flagrada do consagrado lance criativo – uma bicicleta – de Leônidas da Silva, o “Diamante Negro” do futebol brasileiro, no Estádio do Pacaembu, em 1942. Seria inimaginável alguma combinação prévia entre o jogador e o fotógrafo. Na realidade, ao olharmos admirados para esta fotografia, o que devemos valorizar é a perspicácia do fotógrafo que atento ao jogo documentou um lance até então inédito no futebol mundial. O jogador de costas para o gol tenta surpreender o goleiro com um movimento imprevisível. O que vemos na fotografia é o instante detido no inexorável fluxo de tempo. E a imagem consagra o lance e o jogador.
Anos mais tarde, Pelé repete a cena com uma precisão milimétrica. É uma bicicleta mais elaborada, do mais puro virtuosismo, mas tão surpreendente como a do Leônidas. Esta fotografia é de autoria de Alberto Ferreira, que trabalhou por 30 anos no Jornal do Brasil, sendo por 25 anos editor de fotografia. Essa imagem foi realizada no Maracanã, num jogo entre Brasil e Bélgica, em 1965. A precisão que podemos observar na fotografia, não é a mesma das informações disponíveis. Mas não fosse esta fotografia, como poderíamos descrever esse movimento, esse ângulo reto entre a perna direita e o corpo paralelo ao gramado, o zagueiro atônito e ao fundo a arquibancada do estádio? Palavras insuficientes para a grandeza da imagem.
O fotógrafo coloca-se no campo de futebol e, quase sempre, acompanha o jogo através da sua teleobjetiva, registrando os momentos que acredita ser detonadores de percepções singulares. No livro Máquina de Esperar – origem e estética da fotografia moderna, Mauricio Lissovsky propõe uma ampla reflexão sobre a questão do tempo no instantâneo fotográfico e traz uma contribuição diferenciada para a análise da fotografia. Vale a pena conferir.
Sabemos que a representação fotográfica associa-se ao tempo. Quando revisitamos algumas fotografias da história do futebol é perceptível o controle excessivo do tempo da cena, claro, sem descaracterizar a beleza do registro. Sabemos que as câmeras mais antigas eram desprovidas de foco automático e de dispositivos técnicos que pudessem garantir o documento fotográfico, daí a necessidade de estar atento e manter o rígido domínio das variáveis. Barthes não apreciava esses fotógrafos justamente pelo excesso de controle. Mas o que seria do futebol caso não tivéssemos esses fotógrafos que acompanham atentamente a bola e o movimento dos jogadores a fim de documentar para a posteridade o momento extático (de êxtase) de um jogo?
Para lembrar alguns dos grandes nomes da fotografia futebolística, citamos Domício Pinheiro (1922-1998) que acompanhou Pelé em todos os seus grandes momentos; Reginaldo Manente, repórter-fotográfico do Jornal da Tarde que publicou em 1982 o menino chorando após o Brasil perder a Copa da Espanha; o saudoso fotógrafo gaúcho J. B. Scalco (1951-1983) em suas memoráveis fotografias publicadas na revista Placar na década de setenta; e mais recentemente temos Ricardo Correa e Alexandre Battibugli (lembra-se da fotografia do campo de futebol com uma árvore no meio dele?), ambos da editora Abril.
Mas, dentre todas as fotografias de futebol, a que mais me comove é a de José Medeiros, realizada no Maracanã, na Copa de 1950, na final entre o Brasil e o Uruguai, em que perdemos o título. José Medeiros disse-me sobre esta fotografia numa entrevista feita na cidade de Ouro Preto, em 1987, por ocasião da VI Semana Nacional de Fotografia: “quando encerrou o jogo, todos buscavam fotografar o desespero dos jogadores brasileiros; então resolvi inverter a prioridade e fotografar os fotógrafos que buscavam registrar as mesmas cenas”. Ao inverter o centro de atenção naquele momento, Medeiros demonstrou sensibilidade e colocou em evidência os profissionais preocupados em registrar o desespero dos nossos jogadores derrotados, mas também emocionados demais para pensar numa imagem que não fosse o senso comum.
Hoje, mesmo com as câmeras cada vez mais automatizadas e a gravação do jogo em diferentes mídias, a fotografia continua a atrair os olhares de todo o mundo. É ela quem consagra o momento espetacular, que exalta o gesto fenomenal, que inspira e entusiasma os amadores, que traduz a emoção do lance e dá autenticidade ao instante evanescente. Nossa expectativa é que nesta edição da Copa do Mundo de Futebol, na África do Sul, novas fotografias sejam incorporadas à história. Vamos aguardar.
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