A imagem como teoria

[21.maio.2012]

Neste último sábado, estive no I Encontro Pensamento e Reflexão na Fotografia, no MIS, conversando sobre a experiência do Icônica com os amigos Fernando de Tacca, da Revista Studium, e Mane Adaro, do blog Chilenización de la Fotografia. A proposta era pensar a internet como espaço de difusão do pensamento sobre a fotografia.

Mesa Web // Difusão e experiência: A multiplicidade de meios e convergências na contemporaneidade - Mane Adaro, Ronaldo Entler e Fernando de Tacca. Foto de Marcela Jones

O Icônica nasceu da vontade de compartilhar de um modo mais informal nossas pesquisas e intuições, e da constatação de que a internet é um grande espaço para fazer circular o pensamento. O blog é, de fato, uma ferramenta que faz convergir uma vocação da academia, que é de produzir reflexões de certa profundidade, com o potencial de uma rede social, que é o de permitir uma interlocução bastante ampla.

O Icônica é um blog dedicado à teoria e à crítica, talvez àquilo que a língua inglesa tem definido como criticism, o exercício de uma capacidade de julgamento e discernimento que visa construir as condições para o conhecimento de um objeto, no nosso caso, a fotografia. Essa noção de crítica é derivada de Kant. O desafio aqui é o de exercitar o pensamento com a profundidade que nossa vocação acadêmica demanda, mas com a liberdade que um blog nos permite. Isso significa temperar a tradição kantiana ao nosso modo. Significa teorizar por meio de construções que nos aproximam quase sempre do ensaio e, muitas vezes, também da ficção.

Olhando retrospectivamente para nossos posts, tentei organizá-los em três categorias (que, no final das contas, revelam-se uma coisa só, e sempre nos conduzem de volta às imagens):

– Há no blog análises de experiências: eventos, publicações, acontecimentos e, muitas vezes, obras fotográficas e exposições. Por vezes, comentamos a poética de um artista e um projeto curatorial. Aí sim, nos aproximamos da “crítica”, no sentido mais recorrente do termo. Mas, com muita frequência, o que fazemos é tentar intuir um pensamento construído pelas próprias imagens. Não se trata de tentar captar “o que o autor quis dizer”. As imagens, uma vez lançadas ao mundo, dizem mais do que seus autores e seu tempo permitiriam apreender. Isso nunca constituirá um método, e sempre estará sujeito ao filtro daquilo que estamos aptos a perceber, mas é sempre um bom exercício esse de tentar ouvir das imagens o pensamento que elas nos propõe sob a forma de um sussurro, quase um silêncio. Esse pensamento é de difícil tradução, por isso, o que nos resta muitas vezes é convocar outras imagens para negociar uma forma de expressá-lo.

– Há no blog muitas investigações sobre a história, sem distinguir entre uma história da fotografia e uma história por meio da fotografia. Quando preciso, recorremos às fontes consolidadas para apoiar nossas narrativas. Mas isso não é tudo. Falamos também da história do modo como ela atravessa nosso caminho, e nos esbarra nos ombros quando menos esperamos, no meio da multidão. Mais do que na erudição, essas narrativas se apoiam na própria experiência com as imagens. Por isso, assumem muitas vezes a forma de crônica, e buscam devolver aos eventos, mesmo aqueles que já foram bastante estudados, a singularidade os objetos assumem numa coleção.

– Por fim, discutimos conceitos forjados dentro de teorias várias que podem agenciar nossa compreensão da fotografia. Mas também nos apropriamos de imagens que fazem exatamente o mesmo. É Nietzsche que nos lembra que o “conceito”, essa entidade tão abstrata e estável, não é nada além de uma metáfora que, pela força do hábito, nos impõe o esquecimento de sua origem (Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral, 1873). Tentamos então intuir certas formas dos resíduos imagéticos que restam nos conceitos. É assim que nos aproximamos da ficção. Daí, podemos nos perguntar, por exemplo, sobre o anjo que zela pelas mais banal das fotos, ou sobre as imagens que Benjamin pode pensar mesmo que não tenha chegado a conhecer. É assim que podemos forjar um contexto que permita devolver um sentido a um conjunto de fotografias, anônimas e rasgadas; ou expressar a partir de certos acidentes o temor de que, por pouco, toda a história da fotografia poderia não ter acontecido.

Flertar com a ficção não significa romper com a realidade das coisas. Aprendemos isso com a história da fotografia: primeiro, acreditamos mais do que deveríamos em sua verdade; depois, quando a descobrimos como construção cultural, denunciamos sua mentira. Estamos hoje em condições enfrentar os potenciais e limites da fotografia sem essa conotação moral, de perceber – junto com a literatura, a pintura e o cinema – que as imagens que inventamos são uma forma poderosa de falar de aspectos menos evidentes da realidade, e nem por isso menos verdadeiros.

No final das contas, nosso pensamento crítico é aquele que se faz com uma razão impura, permeável à proposta lançada por Barthes, quando pergunta “o que meu corpo sabe sobre a fotografia”.

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Na sequência da nossa mesa, tivemos outra sobre “curadoria”. Ali me parece ter acontecido o debate mais intenso do evento. Tive a surpresa de encontrar numa fala de Eder Chiodetto algo próximo do que tentei expressar. Falando sobre a escrita, ele disse que o curador assume muitas vezes a tarefa de pensar as imagens mas, às vezes, também de pensar dentro das imagens. Como exemplo, ele trouxe um texto (ou uma imagem, se preferirmos) que produziu para a exposição Dark Room, de Carlos Dadoorian (Galeria Fauna, 2011), e que roubei ao final do evento.

Carlos Dadoorian, série Dark Room, exposta na Galeria Fauna em 2011, com curadoria de Eder Chiodetto

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jornalista, pesquisador, doutor em Artes pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), professor e coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP).

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