Foi uma revolução quando Edwin Land, em 1947, apresentou ao mundo o pioneiro processo fotográfico instantâneo: a Polaroid. Curiosamente, um pouco antes disso e nos primeiros anos de atividade de sua empresa, convidou diversos artistas para testarem as câmeras e os filmes que seus engenheiros criavam no laboratório. Mais uma vez, a arte e a ciência estavam juntas, mas desta vez sem restrições e questionamentos. O processo colaborativo intencionava testar a qualidade da imagem e buscar alternativas que pudessem contemplar o desejo humano de acelerar processos e agilizar a comunicação.
Sabemos que em poucos anos houve uma expressiva evolução técnica e que tudo isso alterou significativamente o processo de produção. Aliás, podemos assumir que a Polaroid criou um novo gênero fotográfico, pois essa imagem instantânea expandiu as possibilidades do fazer e provocou o aparecimento de novas variáveis que enriqueceram e educaram nosso olhar.
Em 1972, foi apresentado o sistema SX-70, que se transformou no grande objeto de desejo e, aos poucos, notabilizou-se como a câmera que viabilizava algumas experiências imediatas denominadas por muitos usuários como “a maior gratificação do processo instantâneo”. Em minhas buscas pelos papéis efêmeros da fotografia, há alguns anos, deparei-me num flea market em Nova York com este flyer ao lado (frente e verso) datado de 1974.

Publicidade: Polaroid SX-70
Essa breve introdução serve apenas para contextualizar a importância da exposição Coisas como elas são, na Galeria Fauna, de Armando Prado, um dos poucos fotógrafos que assumiu sua paixão pela Polaroid SX-70 e tornou-se um propagador do processo. As 12 imagens reunidas foram selecionadas a partir de um aforisma do filósofo Francis Bacon (1561 – 1626): “A contemplação das coisas como elas são, sem substituição ou impostura, sem erro ou confusão, é em si uma coisa mais nobre do que uma colheita inteira de invenção”.
A fotografia Polaroid tem uma materialidade imediata, que se distancia dos processos fotográficos convencionais e a aproxima mais da imagem digital contemporânea, esta sem materialidade, mas também tão rápida que nos transformou todos, como escreveu Baudelaire no clássico ensaio sobre o Salão de 1859, em novos “adoradores do Sol”. Ao contrário da imagem contemporânea produzida e circulada em excesso, a Polaroid sempre teve produção e visibilidade restritas. Uma fotografia que era utilizada para rascunhos e correção de erros nos grandes estúdios, para redefinir e revisar luzes e enquadramentos e também por artistas que a viam como um suporte para diversas experimentações.
No Brasil, foi incensada pelo inventivo Armando Prado que nela concentrou seu olhar atento e delicado apenas nos instantes mínimos e pulsantes, aqueles que giram em torno da esfera do sensível. Parece incrível: cada uma das imagens da exposição é verdadeiramente uma mola propulsora que ora se articula e se identifica com nosso repertório; ora se desloca e se afasta dos nossos interesses mais ordinários; ora restabelece as condições de intangibilidade e atinge sua autonomia enquanto expressão autoral máxima.

Armando Prado
Uma fotografia que nos perturba exatamente pelo reconhecimento imediato das coisas, pelos ruídos que evocam aventuras delirantes. Os elementos que flutuam no espaço quadrado da imagem geram assimetrias, os tons e as cores saturadas que derivam do processo Polaroid provocam delírios nostálgicos, e assim, silenciosamente, Armando Prado impõe sua delicadeza através de algumas equivalências e ordenações que detonam nossa racionalidade ficcional.
O interessante é estabelecer nexos com esse novo conjunto de imagens. Não nos esqueçamos que a fotografia produzida por uma SX-70 é uma peça única, positiva, resultado de uma operação técnica sofisticada e instantânea. A série da exposição, produzida entre 1974 e 2008, quando o filme foi descontinuado, é fruto de outro procedimento. A partir da matriz positiva gera-se uma matriz tratada digitalmente que viabiliza ampliações em novos formatos. A matriz, agora intangível, guarda relações de semelhança com seu “original” e nisso reside nosso permanente interesse criado em torno do processo.
Armando Prado em 12 fotografias totaliza uma experiência vivida e uma proposta estética original. Uma espécie de síntese imaginária que se manifesta no etéreo fluxo de imagens cotidianas que narra sua passagem empírica e distintiva diante das singularidades.
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A Galeria Fauna está localizada na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 470, São Paulo, e a exposição estará aberta até 29 de junho.
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