Severo me contou que, certa vez, fotografava os sertanejos. De início pretendia um retrato em fundo branco para unir todos os tipos de lá em um único padrão fotográfico e, assim, tirá-los da paisagem que naturalmente os cerca. Seria uma homenagem ao homem, o ser humano do sertão. Abrir o quadro da câmera para organizar o pretendido retrato fez surgir o aparato que o assessorava. Luzes, panos, tripés. No meio deles, lá no centro, o tipo de lá do sertão. No gesto de um sem querer, Severo viu o retratado, os objetos, o entorno construído e viu o que fotografava de uma forma inédita.
Nesse dia ele conta que se percebeu na cena e fotografou com o incômodo de abordar um assunto refletindo a si, a ponto de tornar turvo o que era paisagem ou era sentimento; quem seria retratado ou, mesmo, se era fotógrafo. Estava ele como peça daquele aparato montado. Havia nele a novidade de perceber sentidos que vinham procurando os espaços de aparecerem. Algo da cultura fotográfica pairava sobre ele, no efeito daquele instante. Seu espanto. Histórias que só vivendo, de perto, próximo, na mistura que uma experiência oferece. Um espaço permitido em um nível de concentração que se adquire e tem a ver com o tempo, quando este pulsa e se mostra em dobras. Traz à cena uma citação de inquietude. A poesia que se fixa no impreciso e se revela sem necessitar planejamento. Ele conta que voltou à redação do jornal em que trabalhava e mostrou muito timidamente as fotos que fizera: uma coleção de retratos de sertanejos de uma forma nova. Ali ele conta que percebeu uma fotografia complexa pois sentia na pele algo sobre uma verdade – entendo a verdade como um aspecto lapidado de uma história – que se deixa perseguir, mas não se expõe facilmente. E ele era um fotógrafo achando brechas que orientam tal perseguição. Ano passado voltou ao Sertão. Estávamos todos na Pós da FAAP. Ronaldo, Lívia, Rubens, aquela turma dele – eles… especial demais aquela turma. Grupo forte danado. – E Severo nos mostrou fotos do semiárido seco. Argumentava, “era a pior seca”. E a gente dizia: “se perde. Descola da estratégia jornalística. Essa que tens como poucos. Mas sai desse domínio. Abre o quadro, escuta. Boicota a paisagem e não fotografa, vai lá de novo só para ver.”
Ele voltou: sertão sem sol, uma paisagem com a pouca luz que tem a noite. Por sinal, a paisagem mais bela que vi nos último anos. Sertão sem sol… Severo, você foi sempre um lado bom. Um fotógrafo que conquistou muito respeito pelas construções que afloraram dos espantos transbordados de teus testemunhos e da simplicidade que libertava um assunto de ser trivial. Você nessa loucura de campanha política, nesse ritmo que estamos. Sentimos muito, todos aqui. Esse freio maluco nas vidas. O avião caiu. E agora me espanto. Como pode? Liga aí quando pousarem no Recife. Estamos aqui na produtora. Liga aí, meu velho.
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