Cao Guimarães é um artista e cineasta que tem se empenhado para diminuir a distância entre esses dois campos, mas que, de fato, sempre foi visto mais confortavelmente no circuito de galerias e bienais do que nas salas de cinema. Uma amostra significativa de sua produção, que inclui também seus longa-metragens, está sendo exibida agora no Itaú Cultural, em São Paulo.
O título da mostra, Ver é uma fábula, é emprestado do livro Catatau, de Paulo Leminski, e nos desarma das questões que tendemos a colocar sobre a veracidade daquilo que os meios técnicos mostram: a vocação para a ficcionalização e para a reinvenção dos sentidos está na percepção, não começa e nem termina com a intervenção da câmera.
Para colocar em diálogo trabalhos distintos, a curadoria utiliza o espaço expositivo quase ao modo das instalações. Elas conduzem o espectador por esse espaço, mas discretamente, sem desejar imprimir qualidades alheias aos trabalhos mostrados.
Nesse conjunto, vemos que Cao Guimarães alcança uma combinação rara na arte contemporânea: projetos que não exigem conceituações prolixas, que detém o olhar em sua plasticidade bem cuidada, que convidam também à contemplação e ao silêncio, sem ansiedade para se desdobrar em explicações.
Surpreende a economia de recursos em muitos trabalhos: seus gestos são comedidos e os movimentos mínimos, ou lentos ou, pelo menos, duram o tempo necessário para serem apreendidos, e raramente chegam a compor narrativas. Como diz o artista, o que busca são os “microdramas da forma”. Nada a ver com a defesa de uma estética formalista, mas com a ideia de que os eventos ganham sentido e coesão também por meio de seus pequenos incidentes.
Isso também fica evidente na projeção de fotos da série Gambiarras (2001-2012), espécie de etnografia dos esforços de adaptação e sobrevivência, que são próprios do “terceiro mundo”, como sugere o artista. Nessa série, assim como no vídeo Mestres da Gambiarra (2008), vemos o valor estético e funcional de uma bricolagem praticada cotidianamente, que tira proveito dos encontros mais improváveis entre as coisas.
Vários trabalhos assumem um caráter documental, quase antropológico, mas sem precisar se apoiar em explicações, e sem a necessidade de encadear os acontecimentos. Apostam apenas no adensamento que as formas adquirem quando oferecidas serenamente ao olhar. Raramente encontramos premissas, apenas descobertas, e uma imensa disponibilidade do artista para mostrar o que encontra. Cao Guimarães não tem pressa, é preciso que o público também não tenha.
Mesmo os trabalhos que assumem intervenções mais conceituais – como Word/World (2001) ou Quarta-feira de cinzas (2006) – não abrem mão da plasticidade das imagens e evitam retóricas rebuscadas. Eles exigem apenas o tempo do olhar e oferecem sem esforço aquilo que é necessário para a compreensão das estratégias adotadas.
Os olhares formados pela fotografia se sentirão bem acolhidos. Porque encontrarão nessas obras a experiência de quem aprendeu a desconfiar que as coisas que se movem pouco estão sempre preparadas para grandes saltos. Encontrarão os mesmos movimentos pequenos, hesitantes, que simplesmente atravessam o olhar, que tanto buscamos quando cercamos um fragmento de realidade com a câmera fotográfica. Podemos ali entender melhor a relação que a performance do fotógrafo estabelece com o tempo: não se trata necessariamente de apanhar no laço o instante certo, mas de arrebanhar num espaço condensado os fluxos das coisas que tendem à dispersão. Esses fluxos não se perdem, permanecem latentes, e realizarão sua vocação assim que houver um olhar disposto a refabulá-los.
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A mostra Ver é uma fábula fica em cartaz no Itaú Cultural até 01/06. Os longa-metragens terão um último ciclo de exibição entre 23 e 26/05. Outras informações, no site do Itaú Cultural.