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INTRODUÇÃO AO CÁLCULO DAS PROBABILIDADES
Ronaldo Entler, 1997
Num jogo de cara ou coroa, qual a probabilidade de a moeda cair do lado cara? O cálculo é bastante simples: o número de resultados esperados (1, exatamente o resultado cara) dividido pelo número de resultados possíveis (2, cara e coroa).
Ou seja, a probabilidade é de 1/2, isto é um resultado satisfatório a
cada dois lances (nesse caso, podemos dizer ainda que a probabilidade é
de "um para dois", ou que temos "50% de chance").
Isso pode ser traduzido enganosamente como: terei um resultado cara a cada dois lances. Mas não é tão simples assim. Se você espera cara e, no primeiro lance, você obteve coroa, o lance seguinte tende a resultar em cara?
NÃO. Dizemos que os lances sucessivos são independentes, o que
significa que a cada lance o cálculo deve ser refeito. Se no primeiro
lance deu coroa, no segundo, a probabilidade de obter cara
continua sendo de 1/2. Esse número significa que, após a opbservação de
um número imenso de lances (um número que tende ao infinito), você terá
aproximadamente a mesma quantidade de resultados cara e de resultados coroa.
É por isso que a teoria das probabilidades é conhecida como teoria dos
grandes números. No máximo, podemos dizer que essa teoria sugere que,
se você apostar um número muito grande de vezes nesse jogo, você tende
a ganhar em 50% dos casos e perder nos outros 50%.
Algumas
pessoas, quando apostam na loto, observam os últimos sorteios e
constatam que há um conjunto de números que ocorreu poucas vezes, ou
nenhuma vez. Se a probabilidade diz que todos os números tem as mesmas
chances de serem sorteados, essa pessoa conclui que no próximo sorteio,
esses números têm maiores chances de ocorer. Essa idéia é equivocada,
pois cada sorteio é independente, e a probabilidade de cada número ser
sorteado continua sendo a mesma do dia em que a loto foi
inventada.
Se quisermos saber as probabilidades de
tirarmos cara duas vezes, em dois lances consecutivos, as
probabilidades se multiplicam ("multiplicar" aqui não tem nada a ver
com "obter um número maior", pois estamos multiplicando frações).
Então, se quero ter cara em dois lances, o cálculo é 1/2 x 1/2 = 1/4 ou
25%. Cara em três lances: 1/2 x 1/2 x 1/2 = 1/8 ou 12,5%.
Se o jogo consiste em obter o resultado cara,
pelo menos uma vez, lançando simultaneamente duas moedas podemos ter a
ilusão de que as probabilidades se somam: 50% para uma moeda + 50% para
outra = 100%. Isso está errado! Para efetuar esse cálculo, é preciso
voltar à definição básica de probabilidade: o número de casos
favoráveis dividido pelo número de casos possíveis. Quais são os casos
possíveis no lançamento de duas moedas (chamaremos cada uma de moeda A
e moeda B):
1) cara na moeda A e cara na moeda B (favorável)
2) cara na moeda A e coroa na moeda B (favorável)
3) coroa na moeda A e cara na moeda B (favorável)
4) coroa na moeda A e coroa na moeda B (não favorável)
Temos 3 casos favoráveis dentro de 4 casos possíveis. Ou seja, a probabilidade em questão é de 3/4 ou 75%.
Vamos
pensar agora num outro jogo, um pouco mais complexo. Se alguém joga um
dado, a probabilidade de obter o número 6 é de 1/6. Suponha que o jogo
consista em obter a soma 12 no lançamento de 2 dados, o que só é
possível com dois números 6.
Qual é o número de
combinações possíveis no lançamento de dois dados? Podemos anotar um a
um e contar: 1 e 2, 1 e 3, 1 e 4 ... 2 e 1, 2 e 2 ... 3 e 1, 3 e 2 etc.
Mas existe uma conta simples para isso: basta multiplicar os resultados
possíveis em um dado, pelos resultados possíveis em outro dado: 6 x 6 =
36. Temos 36 combinações possíveis. Se a probabilidade é o número de
resultados favoráveis dividido pelo número de resultados possíveis, a
probabilidade de termos a soma 12 (6 e 6, em cada dado) é de
1/36.
Mas se a soma for 10, isso pode acontecer
atrvés de 3 combinações diferentes: 4 e 6, 5 e 5 ou 6 e 4. Temos três
resultados favoráveis em 36 resultados possíveis. As probabilidades são
portanto de 3/36 = 1/12.
Há uma regrinha
aqui que podemos apreender. Se esperamos o resultado 6 num dado e 6 no
outro, dizemos que esses eventos são compatíveis, porque podem
acontecer ao mesmo tempo. Nesse caso, simplesmente multiplicamos a
probabilidade referente a cada dado: 1/6 x 1/6 = 1/36. Multiplicamos as
probabilidades quando se espera um "e" outro evento, ao mesmo
tempo.
Se jogo consiste no lançamento de um único
dado, onde eu ganho se o resultado for 1 ou 6, dizemos que esses
resultados são incompatíveis, pois não podem acontecer simultaneamente.
esses números são incompatíveis porque não podem ocorrer ao mesmo
tempo. Neste caso, somamos a probabilidade de cada evento: 1/6 para o
número 1 + 1/6 para o número 6 = 2/6 ou 1/3.
As probabilidades nos jogos
Há
ainda um outro dado a ser considerado, no caso das loterias, bingos,
jogos de cassinos e coisas do gênero. Eles são feitos de tal forma que
a probabilidade de o jogador ganhar é menor do que a de perder.
Vejamos, a esse respeito, dois argumentos diversos:
"O prazer
de se entregar aos jogos do puro acaso, oscila entre a vertigem do
desconhecido e o cálculo de combinações sutis, entre a subjetividade
humana e a ciência exata das estatísticas. O jogador tem prazer em
elaborar suas combinações originais. Ele desafia as leis do destino,
ele sabe convenientemente que, se as probabilidades de ganhar são
pequenas, há sempre essa possibilidade mágica de faturar o grande
prêmio e, assim, se tornar rico instantaneamente, sem esforço! Com
sorte, o feliz evento ocorre, mesmo que suas probabilidades de
realização sejam pequenas".
Este parágrafo exprime
bem as motivações que muitos tem para apostar seu dinheiro na esperança
de ficar rico, mas observemos bem a sua origem: trata-se do fragmento
de um texto publicado pela Associação Européia das Loterias e Lotos Estatais, que representa a única parte que sempre sai ganhando.
Em contrapartida, o físico David Ruelle observa:
"As
loterias são uma forma de imposto livremente consentida pelas camadas
menos favorecidas da sociedade. O usuário compra não muito caro um
pouco de esperança de ficar rico. Mas a probabilidade de ganhar o
grande prêmio é muito pequena: é o gênero de probabilidades que
costumamos negligenciar (como a de receber na cabeça um objeto
mortífero enquanto caminhamos pela rua). De fato, os ganhos, grandes ou
pequenos, não compensam em média o preço dos bilhetes, e o cálculo das
probabilidades mostra que temos praticamente certeza de perder dinheiro
se jogarmos regularmente. Tomemos o exemplo de uma loteria um pouco
simplificada, em que a probabilidade de ganhar é de 10% e em que se
ganha cinco vezes a aposta. Num grande número de extrações, a proporção
de vezes em que se ganha é próxima de 1/10 e, como ganhamos cinco vezes
a aposta, o ganho total é de cerca de metade da despesa total. Assim,
quanto mais bilhetes compramos, mais dinheiro perdemos, e isto continua
a ser verdade para as loterias mais complicadas, já que todas as
loterias são feitas para depenar o jogador em proveito do
organizador.
(...) De fato, comprar um bilhete de
loteria de vez em quando pode não ser loucura, se obtivermos com isso
um prazer adequado. Os tratados de economia discutem a lógica da coisa
(e também por que é bom subscrever contratos de seguros, mesmo se as
companhias tem lucros indecentes). O que vimos é que não devemos
esperar enriquecer comprando bilhetes de loteria" (David Ruelle, Acaso e Caos, São Paulo, Editora da Unesp, 1993. pp. 31-32).
Em todo o caso, se você quiser arriscar, e se lhe faltar alguma grande intuição, obtenha um palpite na seção "Jogos e números ao acaso", e aproveite para ver como funciona a simulação de um sorteio por um programa de computador.
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