Sexta-feira, Dezembro 17, 2004

Tibet


E' hora de relaxar

Agora que milhoes de pessoas estao lendo este blog por causa da conceituadissima revista Isto E', quem quiser pode ficar a vontade pra escrever e perguntar sobre a viagem. Dicas sobre os paises, informações sobre esse tipo de bilhete da Varig, ideia de custos, terei prazer em ajudar. Confesso que a materia deixou o meu ego do tamanho do Himalaia. Isso e' pessimo, mas ego serve pra isso.

O titulo pode nao parecer muito apropriado, mas faz todo sentido. Aguentar pedintes na India ou viajar horas num onibus ouvindo musica pop turca acaba com os nervos de qualquer um. Mas depois passei a nao dar importancia para essas coisas e comecei a relaxar. Como eu digo, ja que esta no inferno, abrace o capeta.

Tibet

Ir ao Tibet nao estava nos planos. Nesta época, nao ha voos entre Lhasa e Kathmandu, e' muito frio e caro. E' caro porque para entrar no Tibet a partir do Nepal o governo chines so' autoriza vistos em grupos, nao tenho a menor ideia de qual a razão disso. A menos que voce consiga arrumar um jipe e mais gente para ir, a alternativa e' recorrer a agencias de turismo em Kathmandu que se aproveitam disso para cobrar precos muito altos. Para ir ao Tibet pela China nao existe essa restricao de vistos em grupos, e' mais barato e mais facil. Alem de voce nao correr o risco de pegar um grupo chato como aconteceu comigo. Tirando um casal de uruguaios que conheci, Rafael e Fernanda, o resto do grupo de doze pessoas era de gente boa mas um pouco chata. O Rafael e' professor de literatura latino americana em Montevideu, adora Juan Carlos Onetti, nossa literatura e falar palavrões em portugues. A Fernanda tem um bar em Montevideu chamado Acuerela, quem quiser ir la' beber de graca e' so' falar que e' meu amigo. Eles foram os primeiros latinos que conheci desde que comecei a viajar pela Asia, estava com saudades daquele carinho e senso de humor.

Eu e o Rafael

Cruzando a fronteira tivemos que adiantar o relogio em 2h15m. Isso porque na China inteira, aquele pais pequenininho, existe apenas um fuso horario, o de Beijing. Imaginem um pobre tibetano no inverno tendo que entrar no trabalho de madrugada porque em Beijing sao 8h da manha, eu xingaria muito. Na estrada para Lhasa as placas de quilometragem iam mostrando 5200, 5199 km. Pensava, meu Deus, estou a 5200 km de onde, da minha casa? Nao, estava a 5200 km de Beijing, de onde mais?! Isso e' pra nao deixar duvidas sobre quem manda no barraco.

Ao comecar a atravessar as montanhas no Tibet, aqueles tais "Las", a paisagem era tao diferente que eu me sentia em Marte. Nunca estive em Marte mas ja assisti a varios filmes em que a historia se passa em Marte. Atravessamos as passagens de Lalung La (5050 m) e Gyatso La (5200 m).

Passagem de Lalung La




Passagem de Gyatso La


Nyalam e Lhatse

As duas primeiras cidades em que paramos para dormir foram Nyalam e Lhatse. A unica razao de parar nessas cidades e' porque nao da pra ir para Lhasa em um dia. Fazia muito frio, nao havia aquecimento e nem a menor chance de um banho. Os banheiros de la me fizeram ter saudades dos banheiros arabes e indianos. O mais interessante das cidades foi ver o povo tibetano.

Caminho para Lhatse


Lhatse








Xigatse

A proxima parada foi Xigatse, a segunda maior cidade do Tibet e onde ja da pra sentir a forca da presenca dos chineses. Eles estao contruindo estradas, hidreletricas e shopping centers. Estima-se que mais da metade da populacao do Tibet hoje seja de chineses. Nao da para saber porque o governo chines nao permite que se faca um censo, ele diz que os tibetanos ainda sao maioria. Nao consegui saber, o que vi e' quem tem muito chines e eles sao os donos do pedaco. O governo chines incentiva a migracao para o Tibet com emprestimos e a liberdade dos casais de terem mais de um filho. Isso me leva a crer que a razao deles terem invadido uma terra tão inospita foi para arrumar espaco para colocar gente. Por tudo isso que vi, nao existe a menor chance dos chineses sairem do Tibet. Ate' ia comprar uma camiseta que diz "free tibet" mas nem vou mais porque nao vai adiantar nada. O melhor que da pra acontecer e' os tibetanos conseguirem um pouco mais de autonomia, como um fuso horario proprio e placas que indiquem a distancia para Lhasa e nao para Beijing.

Gyantse

Em Gyantse visitei o primeiro monasterio budista da viagem. Todos os monasterios que visitei tem mais ou menos a mesma a historia. Em cada um havia cerca de 5000 monges, hoje ha menos de 1000. Com a Revolucao Cultural os maoistas bastardos e canalhas destruiram pinturas e livros de 400 anos. Alguns monasterios chegaram a ser usados como estabulos. Foram mais de 1,2 milhao de tibetanos mortos e mais de 5000 monasterios destruidos. Os chineses chamam isso de "liberacao", o termo Revolucao Cultural e' proibido no Tibet. Depois da morte do Mao, aquele maoista bastardo e canalha, a situacao comecou a melhorar um pouco. Hoje e' possivel praticar o budismo e alguns livros que foram escondidos pela populacao local voltaram aos monasterios que aos poucos vao sendo restaurados. So' nao se pode falar em independencia ou Dalai Lama. Ao entrarmos no monasterio fomos alertados que alguns "monges" pediriam fotos do Dalai Lama. Na verdade sao espiões chineses que pedem as fotos, se voce cair nessa voce vai em cana e e' deportado. Dois monges me pediram fotos do Dalai Lama. Disse que não tinha, dei uma foto da Mulher-Samambaia e nem fui preso.

Caminho para Gyantse




Gyantse - Vista do Monastério em Gyantse




Monasterio em Gyantse








Budista fazendo prostracoes


Dentro do Monasterio em Gyantse








Nesse dia dei sorte de ser um dia importante no calendario tibetano. Na foto aparecem os monges usando um chapeu amarelo, esse chapeu so' e' usado em ocasioes especiais e indentifica a escola Gelupa, a mesma do Dalai Lama. Infelizmente nao foi permitido fotografar a cerimonia, mas ouvir aqueles cantos e trombetas e ver os monges todos sentados recitando mantras foi de tocar no coracao.

Em Gyantse tem um mercado onde cabecas de yak sao vendidas ao lado de eletrodomesticos, os tibetanos vendem as cabecas de yak e os chineses os eletrodomesticos.

Mercado


Cabeças de Yak


Lhasa

Lhasa foi um choque para quem a conhecia do filme Kundun, da Disney, ou do livro da Alexandra Neel. A cidade nao e' proibida, e' grande, limpa, organizada, com ruas e calcadas largas, ciclovias e um bom sistema de transporte coletivo. A marca da cidade e' o triste palacio de Potala, onde era a sede do governo do Tibet e onde ficaria o Dalai Lama. Aquele prédio enorme e' completamente vazio por dentro. O trono do Dalai Lama ainda esta la, apenas pra ser visto, ninguem vai ocupa-lo tao cedo. O proprio Dalai Lama disse que nao pretende reencarnar enquanto o Tibet estiver sob ocupacao. Ele esta certo, eu no lugar dele faria o mesmo. A ideia desse palacio surgiu por volta de 650 DC, quando foi construida uma estrutura pequena no lugar. O palacio do jeito que aparece na foto comecou a ser construido em 1645 pelo quinto Dalai Lama. Esse quinto Dalai Lama tem uma historia interessante. Quando ele morreu, nao haviam ainda identificado o sexto Dalai Lama. Esconderam esse fato dizendo que o quinto Dalai Lama havia entrado em um periodo de meditacao. Aconteceu que o periodo já durava dez anos, nao dava pra esconder mais e acabaram escolhendo um menino como sexto Dalai Lama. Quando o menino completou 18 anos, ele descobriu nao so' que podia governar o Tibet mas tambem que podia comprar bebida alcoolica. Esse sexto Dalai Lama gostava de mulheres, de beber e não parecia em nada com o Kundun da Disney. Parece besteira, mas isto tem relacao com a invasao do Tibet em 1949. A historia e' complicada. Nessa epoca o Tibet entrou em um periodo de desordem. Os mongois, que tinham uma relacao boa com os tibetanos nao gostaram da situacao e invadiram o Tibet. Os chineses que nao gostavam de nenhum dos dois se aproveitaram desse momento para invadir o Tibet, liberta-lo dos mongois e declara-lo como protetorado. Esse e' o pretexto historico usado pela China para justificar o Tibet como parte do seu territorio.

Caminho para Lhasa




Lago Yamdrok - Caminho para Lhasa




Lhasa - Palacio de Potala


Lhasa vista do Palacio de Potala


Dentro de um Monastério em Lhasa


Templo Jokhang

O nome da cidade de Lhasa vem do templo Jokhang, considerado o lugar mais sagrado do Tibet. Em 641 dC, a princesa Wencheng acreditava que havia um demonio enorme dormindo em toda regiao do Tibet e que seu coracao ficava num lago chamado Wotang. Para matar o demonio, a princesa ordenou que o lago fosse coberto por terra e em seu lugar fosse construido um templo chamado Lhasa, que em Tibetano que dizer "terra sagrada".

Templo de Jokhang


Dentro do Templo de Jokhang




Prostracoes em frente ao templo Jokhang


Yaks



Durante o caminho todo vimos muitos yaks. E os yaks, aonde foram parar desta vez? Numa churrascaria rodizio estilo brasileiro em Lhasa! E quem disse que chines nao sabe fazer churrasco? Nao sei, mas essa pessoa estava coberta de razao. A comida era uma droga, acho que daria pra criar um incidente diplomatico com a China por eles chamarem aquilo de estilo brasileiro. Levei algumas pessoas do grupo pra comer la. Por sorte havia um ingles, Alister (sentado no fundo) que adora o Brasil, ja esteve ai duas vezes e ajudou a defender o nosso churrasco. Ao lado dele esta Greg, um australiano muito chato. O seu hobby e' fazer gravacoes e ele insistia para que eu ouvisse coisas como peixes pulando na agua para comer mosquitos. Nao estou brincando. Eu repito, va ao Tibet a partir da China para nao se arriscar a passar por isso. Na ponta da mesa esta o Rafael, que nem achou a comida tao ruim assim porque no almoco ele pediu uma galinha e lhe trouxeram, quase literalmente, uma galinha, com a cabeca e os pes.

Churrascaria


Exames

Assisti a um exame de monges budistas. Esses exames sao parte do aprendizado de um monge, que leva entre 22 e 26 anos para atingir o grau Geshe, o mais alto na hierarquia da escola Gelupa. Os topicos são estudados e para cada um existe um monge que faz o papel de examinador e desafia os estudantes que ficam sentados. Este monge faz perguntas batendo palmas as vezes de forma violenta, nao sei se isso tem alguma relacao coma dificuldade da pergunta. De vez em quando ele ainda da uma rodopiada, deve ser aquela questao pra bombar o aluno.

Monges se preparando para o exame


Monges durante o exame



Liberdade e Internet na China

Conferi algumas coisas sobre a Internet na China. Qualquer site com as palavras Dalai Lama, sites como o do Human Rights Watch e Anistia Internacional sao bloqueados. Emails passam por um processo de verificacao, nao sei como e' esse processo, mas todo email que mandava dela eu recebia uma mensagem dizendo que nao havia sido possivel envia-lo nas ultimas 4 horas.

Quando estava na Franca, em alguns cinemas passavam uma propaganda assim: Numa pista de atletismo de um estadio estao um corredor e o cara que da o sinal de largada com uma pistola na mao. Esse cara levanta, abaixa o braço bem devagar e mata o corredor. Depois aparece uma mensagem dizendo que 10.000 pessoas sao assassinadas por ano nos estadios chineses, os mesmos onde assistiremos as Olimpiadas de 2008 e propunha um boicote. Criminosos comuns e presos politicos sao assassinados em cerimonias com estádios cheios, e' dificil de acreditar mas e' verdade. Nao vejo muito o que fazer. Boicotar produtos chineses? Nao da, quase tudo hoje em dia e' feito na China. Parar de comprar pastel na feira? Isso tambem nao, primeiro porque gosto muito de pastel e o pasteleiro chines tem pouco a ver com direitos humanos. Ano que vem volto pra China, se alguem tiver uma idéia pode escrever que tento falar com eles.

Grande beijo!!


2 Comments:

Anonymous said...

romero... beijo meu pra vc
da evelinoca :)

9:34 PM  
Paulo Egidio Oliveira said...

Ola Alexandre,

Muito show o seu blog .. Gostei muito mesmo .. Fotos e texto estao show ...

Eu estou morando na China agora .. Tenho 2 meses de ferias agora no verao e pelo jeito vo ter que ir pro Tibet ... Hehehe ...

Um abraco ...

1:18 PM  

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