Autor: Mauricio Lissovsky

Historiador, roteirista, pesquisador, doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ECO-UFRJ.

Morreu John Berger

Mauricio Lissovsky | 7.jan.2017

Foi no primeiro dia útil do ano, 2 de janeiro, em Paris, aos 91 anos de idade. Dia útil por que? Dia útil para quê? Para se contar uma história ‒ essa provavelmente seria sua resposta ‒, pois toda história começa pelo fim (ou porque há um fim). E o fim é sempre alguém que morre, pois “precisamos dos mortos para reconhecer a nós mesmos”.  Em um diálogo memorável com, Susan Sontag , ambos concordam que “a morte de alguém”, de fato, “é sempre pretexto para se contar uma história.”Leia Mais

O Passo dos Elefantinhos [Os falsos falsos #2]

Mauricio Lissovsky | 13.jul.2016

Isso foi no “tempo do Raj” – no tempo do vice-rei que representava o domínio imperial britânico sobre a Índia. Esperava-se que os príncipes da Índia o visitassem, periodicamente. Nessas ocasiões, nada de importante realmente se decidia, perdoavam-se impostos e anistiavam-se presos, no máximo. Na realidade, tais reuniões não passavam de uma confirmação cerimoniosa da soberania da Coroa Britânica sobre a Índia. O maior desses príncipes inidanos era Mahbub Ali Kahn, o sexto Nizam de Haiderabade. Numa manhã de segunda-feira, na década de 1880, o Nizam chegou a Delhi, emLeia Mais

Os falsos falsos #1

Mauricio Lissovsky | 13.jun.2016

Inicio hoje, aqui no Icônica, uma série que pretendo sustentar por um algum tempo. É sobre minha pequena coleção de arte gráfica e pintura. Dito assim, parece coisa “chique”, mas não é, realmente. Há alguns anos comecei a comprar em leilões na internet obras de autoria desconhecida, sem assinatura ou com assinatura dita “indecifrável”. Não compro qualquer coisa. Apenas o que gosto ou o que me atrai, por alguma razão que nem sempre está clara para mim no momento da aquisição. Imagino que boa parte do que circula por aíLeia Mais

Desmonumentalizar a ditadura [parte 2]

Mauricio Lissovsky | 30.mar.2015

Desde o fim da ditadura, o “torturado” foi a primeira e mais perene encarnação de suas vítimas. E, no entanto, nas duas décadas que se seguiram ao fim da ditadura, nenhuma outra figura foi tão cercada de silêncios: silêncio a respeito dos torturadores, igualmente protegidos pela anistia; silêncio dos torturados, em virtude do trauma e do receio de que fossem considerados “delatores” de seus companheiros; silêncio em virtude de que seu testemunho, preso ao passado, não servisse ao futuro; silêncio em torno da derrota da luta armada – da qualLeia Mais

Desmonumentalizar a ditadura [Parte 1]

Mauricio Lissovsky | 3.fev.2015

Em 2014, o Brasil esteve às voltas com duas efemérides: a Copa do Mundo e o cinquentenário do golpe militar. A realização da primeira supunha a construção ou reforma de várias arenas esportivas; a celebração do segundo, por sua vez, a construção de memoriais e monumentos em homenagem às vítimas da ditadura. Os estádios ficaram prontos e funcionaram bastante bem, a despeito das previsões pessimistas e dos protestos esporádicos contra os gastos excessivos. Já os memoriais, museus e monumentos planejados não viram a luz do dia. O último projeto deLeia Mais

Desmonumentalizar a ditadura: #1 e #2

Mauricio Lissovsky | 2.fev.2015

Reflexão sobre as representações da tortura no período da ditadura brasileira.Leia Mais

Canal do Panamá

Mauricio Lissovsky | 13.maio.2014

Hervé Guibert havia enviado uma pequena carta a Roland Barthes, pedindo para tirar um retrato do escritor em companhia da mãe. Barthes quase não saía de casa naquela época, desdobrando-se em cuidar da matriarca, já bem doente. Tocava piano, confortando-a. Não obteve resposta.  Passada pouco mais de uma semana, ligou para saber se a carta havia chegado. Era sempre a mãe que atendia o telefone. Desta vez foi o filho: “E você não sabe que ela morreu faz dez dias?” Não sabia. Sua carta havia chegado à casa de Barthes,Leia Mais

Colecionando Borboletas

Mauricio Lissovsky | 21.nov.2013

Um magnífico daguerreótipo de cerca de 1850, da Coleção George Eastman House nos exibe um orgulhoso colecionador de borboletas ao lado de sua vistosa coleção. Uma a uma, ele as pregou contra o fundo claro da caixa que provavelmente mantém fechada para que o contato com a luz e o ar não prejudique os espécimes. Se prestarmos um pouco mais de atenção, ao que temos diante dos olhos, as surpresas se multiplicam. Tudo nesta imagem convoca o duplo. A começar, obviamente, pelas abas das caixas, que se dobram sobre siLeia Mais

Quantos anjos cabem em uma fotografia?*

Mauricio Lissovsky | 18.jun.2013

Muita gente se espanta que brilhantes filósofos medievais, como Tomás de Aquino e Duns Scotus, tenham dedicado tanto tempo a discutir quantos anjos poderiam dançar na cabeça de um alfinete. Mas, ao contrário do que hoje se supõe, essa pergunta não era despropositada. E debatê-la não era jogar conversa fora. Significava, entre outras coisas, perguntar-se em quantas mínimas partes (“átomos”, dizia-se, em grego) uma substância poderia ser dividida. Tanto que, em 2001, um físico quântico, Anders Sandberg, teve a pachorra de fazer a conta e estimou essa quantidade que 8,6766Leia Mais

Kurt Klagsbrunn, fotógrafo

Mauricio Lissovsky | 26.fev.2013

Há uma zona de sombra na história da fotografia brasileira. Ela se estende desde a segunda década do século XX até os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Uma lacuna que só recentemente começa a ser preenchida com algumas pesquisas acadêmicas, uns poucos livros e a recuperação e organização de escassos acervos. Um esquecimento que corresponde a toda uma geração de fotógrafos, oriundos da Europa Central, que vêm dar ao Brasil na condição de refugiados ou imigrantes que procuram escapar da crise econômica e da perseguiçãoLeia Mais

A cidade como autorretrato

Mauricio Lissovsky | 3.dez.2012

Nas cidades, tudo conspira contra a contemplação. A cidade exige de nós velocidade, instantaneidade, decisão. Não é por acaso que a cidade fotografada encontra sua expressão mais notória em um tipo de imagem que veio a chamar-se street photography­, onde estes valores tornam-se aqueles que nos habituamos a esperar de uma fotografia. De fato, nesta tensão entre o hábito, e mesmo o tédio, por um lado, e a agilidade que requer “reflexos rápidos”, constrói-se esta “afinidade eletiva” entre fotografia e cidade que só fez crescer ao longo do século XX.Leia Mais

A fotografia como teatro da memória*

Mauricio Lissovsky | 4.jun.2012

De onde vêm estas cenas de Luis Gonzalez Palma? Da memória – é fácil responder. O próprio artista nos diz em um texto de apresentação de seu trabalho: “memórias imaginadas”.  Mas que diferença há entre “memórias imaginadas” e nossas recordações vulgares? Mesmo aquelas que a distância no tempo esmaeceu? Walter Benjamin escreveu uma vez que, na hora da morte, isso que passa pela cabeça dos homens são como as figurinhas que colecionava quando criança – figurinhas que envolviam um feixe de balas em forma de palitos. Isto é, são imagensLeia Mais

Pequena história da Fotografia – Remix*

Mauricio Lissovsky | 30.abr.2012

Por quais caminhos uma nova “pequena história” da fotografia poderia nos levar – uma história que começasse a ser escrita de olho nas imagens que Walter Benjamin jamais viu? Quando o filósofo redigiu seu ensaio, em 1931, considerava que os primeiros cem anos da fotografia haviam sido marcados por um debate teórico, sob todos os aspectos, infrutífero, uma vez que comungavam os debatedores de um conceito de arte “alheio a qualquer consideração técnica”. Ao longo dos seus primeiros cem anos, e apesar de seu desenvolvimento acelerado, a fotografia havia persistidoLeia Mais

Últimos suspiros*

Mauricio Lissovsky | 19.mar.2012

É bem conhecida a história contada por Nadar que Balzac não gostava de posar com medo de ser “descamado” pela câmera. Mas esta não era a única fantasia que atormentava os modelos durante a lenta transmigração da aparência que caracterizava o ato fotográfico naqueles tempos. Havia também quem receasse ser sugado pela objetiva. Existem relatos, particularmente de mulheres, que declararam sentir seus olhos sendo atraídos para dentro da lente da câmera enquanto eram fotografadas. Acredito que boa parte do escândalo em torno de Fading Away (1858), de Henry Peach RobinsonLeia Mais

A fotografia e seus duplos: #1, #2, #3 e #4

Mauricio Lissovsky | 6.fev.2012

O que uma fotografia revela quando se coloca em diálogo com outra imagem? Leia Mais

A fotografia e seus duplos – Parte IV

Mauricio Lissovsky | 6.fev.2012

A história é bem conhecida. Em 1867, Dostoiévski visitava o museu da Basiléia, na Suiça, em companhia de sua mais recente esposa, Anna Snitkina, estenógrafa que havia colaborado com ele em “O Jogador”. Diante de uma pintura de Holbein, o Jovem, ele congelou, sem conseguir desviar os olhos. No rosto do escritor, a mesma expressão, mistura de êxtase e pânico, que costumava ter na iminência de um ataque epilético. No quadro do museu, Cristo, em tamanho natural, deitado em sua tumba.Leia Mais

A fotografia e seus duplos III

Mauricio Lissovsky | 14.nov.2011

Por meio do duplo a fotografia interroga-se sobre sua história e a respeito do papel que lhe cabe no mundo. Uma das formas recorrentes do duplo fotográfico é colocar em cena as relações entre a fotografia e outros modos de aparecer das imagens. Em 15/02/1937, a página 9 da revista Life estampou uma das fotos mais famosas de Margaret Bourke-White: diante de um outdoor onde a família branca sorridente viaja de férias em seu carro, uma fila de homens e mulheres negros, refugiados das enchentes em Louisville (naquele ano, asLeia Mais

La Ciotat: de volta para o futuro*

Mauricio Lissovsky | 17.out.2011

Proust escreveu que a “imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta por nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento perante elas”. Vejam esta fotografia de Baudelaire, feita por seu amigo Nadar. Parece estática para nós, hoje em dia, mas há todo um movimento ali. Um movimento que o poeta procurou expressar em um soneto dedicado ao fotógrafo. Depois de comparar a experiência de posar no estúdio fotográfico a morrer de uma “dor saborosa”, “misto de êxtase eLeia Mais

A fotografia e seus duplos II

Mauricio Lissovsky | 13.set.2011

Há este carte de visite do Imperador do Brasil e seu duplo, feito por Carneiro & Gaspar, em 1867. Nele, Dom Pedro II, aficionado e colecionador tenaz de fotografias, apesar da sobriedade da expressão, empresta sua real figura a uma anedota. O grande interesse de Sua Majestade pela técnica fotográfica pode tê-lo motivado a submeter-se a este “experimento” (na mesma ocasião, também foi feita imagem similar da Imperatriz Teresa Cristina), mas é impossível deixar de associar esta imagem à tradição taumatúrgica do caráter duplo do corpo do Rei: um corpoLeia Mais

A fotografia e seus duplos I

Mauricio Lissovsky | 8.ago.2011

Há esta fotografia, de Adenor Gondim. Está em seu blog, chamado “Apenas Bahia. Apenas Fotografia”. Em um “Café Fotográfico” que compartilhamos, em Salvador, em 07/06/2011, convidados pelo José Mamede, contou-nos sua história. Procurava um fundo para fotografar os santinhos que havia comprado para presentear o filho, mas nada o satisfazia. Percebeu, jogada em um canto, esse retrato feito em Bom Jesus da Lapa. Os santinhos encontraram aí, finalmente, o seu lugar.Leia Mais