Seria Gregori Warchavchik um fotógrafo moderno?

[24.nov.2009]

Há anos venho colecionando fotografias. Recentemente adquiri um retrato de René Thiollier, um dos patronos do modernismo no Brasil e fundador da Academia Paulista de Letras. A autoria é de Gregori Warchavchik (Ucrania, 1896 – São Paulo, 1972) e isso bastou para lembrar sua produção fotográfica. Warchavchik chegou ao Brasil em 1923, no auge da vanguarda modernista experimentada pela Semana de 22, e encontrou um terreno fértil para suas idéias centradas nos arquitetos Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe.

Casou-se em 1927 com Mina Klabin irmã de Jenny Klabin, casada com o pintor Lasar Segall, filhas de um rico industrial da elite paulistana e isso facilitou sua inclusão no grupo modernista – Paulo Prado, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Victor Brecheret, Anita Malfati, Villa Lobos, Di Cavalcanti, entre outros. No ano seguinte, concluiu o projeto de sua residência, localizado à Rua Santa Cruz, Vila Mariana, considerado a primeira casa modernista do Brasil. A partir dos anos 1930 interessou-se pela fotografia e na década seguinte já participava com certa freqüência das atividades do Foto Cine Clube Bandeirante. É aqui que nasce nosso interesse em pesquisar mais profundamente o seu trabalho e verificar sua importância no movimento fotoclubista paulista, considerado bem sucedido e responsável pela fotografia moderna brasileira.

As referências informais da sua atividade tivemos através de relatos de Luis Hossaka, falecido recentemente, nos intervalos das reuniões da Coleção Pirelli-Masp, e de Thomaz Farkas, um dos mais ativos fotógrafos no período de ouro do Foto Cine Clube Bandeirante. Hossaka que trabalhou durante quase 60 anos no Masp e também foi do Conselho do Museu Lasar Segall e ativo colaborador, falou-me em diversas ocasiões da fabulosa coleção de câmeras, lentes e acessórios deixada por Warchavchik, do seu profundo conhecimento técnico e do seu prazer em fotografar. Sabemos que mais tarde essa coleção foi aos poucos desaparecendo e até mesmo o laboratório, talvez num anexo da Casa Modernista, foi desmontado.

Warchavchik, autoretrato, c. 1944.

Warchavchik, autoretrato, c. 1944.

Pesquisamos os Boletins do Foto Clube e os Catálogos dos Salões realizados pelo clube a partir de 1942. É notório seu envolvimento com os fotógrafos do Bandeirante mas não foi possível através dos boletins detectar uma atuação mais intensa. Gregori Warchavchik está presente no catálogo do 2º Salão Paulista de Arte Fotográfica, realizado em outubro de 1943, e foi capa do 3º Salão Paulista de Arte Fotográfica, realizado em novembro de 1944, na Galeria Prestes Maia, com um belíssimo autorretrato. Além disso, tem mais três fotografias selecionadas neste Salão.

Nos boletins aparece pela primeira vez somente no número 10, editado em fevereiro de 1947, onde podemos encontrar na página 11, uma tabela de pontuação dos fotógrafos, síntese que informa o número de salões nacionais e internacionais e o número de fotografias com que cada fotógrafo do clube participou. Esse ranking atribuía ao fotógrafo mais pontuado do ano o Troféu Prestes Maia, instituído em 1945. Tomamos conhecimento que José Yalenti em 1945 e Eduardo Salvatore em 1946 foram os vencedores. Em abril de 1947, no Boletim número 12, Gregori Warchavchik aparece em 28º lugar graças à sua participação em três Salões somando 80 pontos. No ano seguinte aparece em 39º lugar com apenas um Salão com duas fotografias e 40 pontos, evidenciando talvez algum desinteresse.

É notável sua participação na década de 1940 das atividades promovida pelo Foto Cine Clube Bandeirante mas, curiosamente, sua fotografia nada tem a ver com a arquitetura, pois privilegia quase sempre o retrato. No livro A Fotografia Moderna no Brasil, de Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, há apenas uma citação nominal e nenhuma informação sobre sua fotografia. De qualquer forma, nossa intenção é deixar registrado o andamento desta pesquisa e mostrar algumas fotografias produzidas por Warchavchik. É perceptível seu interesse pelo retrato e o que tenho disponível até o momento é exatamente esse gênero de produção. Porém, os retratos de Mario de Andrade, René Thiollier, e da menina, denominada Os óculos do vovô, aqui publicados, evidencia um tratamento único, ou seja, um enquadramento fechado, centrado no rosto do fotografado e com o foco crítico.

Warchavchik: "Os óculos do vovô", Mario de Andrade, René Thiollier (s/d).

Warchavchik: "Os óculos do papai", Mario de Andrade, René Thiollier (s/d).

Esse foco crítico revela sua visão sensível e torna-se uma espécie de imprecisão intencional e controlável. Mostra também um controle técnico sobre o processo e uma direção da cena, pois tenta evitar a frontalidade e propõe uma leitura mais difusa e aberta, à medida que os olhares são quase sempre dispersos, um pouco diferente das convenções disseminadas no movimento fotoclubista. Paradoxalmente, a “leveza do foco” também aproxima os retratos da tendência pictorialista, que predominou no clube durante os seus primeiros anos. De qualquer modo preferimos entendê-los mais como transgressores, pois Gregori Warchavchik foi um intelectual que tem seu nome associado à racionalidade moderna. Em 1925, ele publicou o primeiro manifesto da arquitetura modernista no Brasil e entre as diversas críticas elaboradas, a que faz ao ornamento é a me parece que mais tem relação com sua fotografia: “detalhe inútil e absurdo, imitação cega da técnica da arquitetura clássica, tudo isso era lógico e belo, mas não é mais”.

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Jornalista, curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor e diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP).

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