Sergio Jorge: múltiplas trajetórias

[03.jun.2014]

Desde o início, no Foto Cine Clube de Amparo, em 1952, até hoje no Jorge’s Estúdio, muitas imagens passaram pelos olhos de Sérgio Jorge, um dos grandes mestres da fotografia brasileira. Claro, nem todas as imagens se viabilizaram fotograficamente – parte delas ficou fixada apenas em sua memória e outra parte se transformou em relevantes documentos iconográficos da história do Brasil.

Impossível conhecer alguns do principais momentos da história da nossa fotografia e do nosso país sem passar por algumas de suas imagens, como por exemplo, o primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo, a moda de Denner e Clodovil, o milésimo gol do Pelé, a inauguração de Brasília, as primeiras corridas no Autódromo de Interlagos, a demarcação territorial brasileira no Pólo Sul, a construção da rodovia Belém-Brasília, o Estúdio Abril de Fotografia, entre muitos outros significativos flagrantes que configuram a trajetória de um dos mais aguerridos profissionais: Sérgio Jorge.

Ele foi atraído pela fotografia sinestesicamente, ou seja, primeiro pelos olhos e em seguida pelo olfato e pelo tato. Sim, o cheiro dos químicos do laboratório e o trabalho artesanal de revelação contaminaram suas decisões ao escolher sua profissão. Afinal, naquele momento, a fotografia parecia muito mais dinâmica e divertida do que a possibilidade de se tornar um sério advogado como seu pai.

O primeiro trabalho foi na Casa Fotográfica de Elisário de Castro Negrão, seu mentor, em Amparo, sua cidade natal. Na penumbra do laboratório não só aprendeu os primeiros segredos da magia fotográfica como também foi atravessado por uma energia que modificou seu olhar diante das cenas do cotidiano. Tempos depois, ao chegar em São Paulo, esse olhar alterado, associado ao seu estilo e técnica, começa a adquirir uma sintaxe própria.

A cidade despertava novas ambições e gerava expectativas diversas. Nessa agitação descobre o pulsar da redação do jornal O Dia – seu primeiro emprego como profissional – onde dezenas de máquinas de escrever, somadas aos ruídos das linotipos e das rotativas, estão sintonizadas com o ritmo frenético da efervescente metrópole. Sua atividade como fotógrafo passa a ser pontuada por esse desejo de estar sempre em movimento e de ampliar a visibilidade do seu trabalho como repórter fotográfico. Em poucos meses sua constante atividade foi notada pelos profissionais dos jornais A Gazeta e A Gazeta Esportiva, para onde se transferiu a convite.

Tornou-se uma espécie de cronista visual do período desenvolvendo um trabalho marcante e de grande ressonância, seja pela liberdade no enquadramento, seja pela intensa curiosidade. Passa a ser respeitado pelos fotógrafos da velha guarda da imprensa paulistana e integra uma nova geração que nasce exatamente no final dos anos 1950. Jovem, reconhecido tecnicamente e bastante agitado começa a preencher seu tempo livre com pautas inventivas para a revista Manchete, onde se torna um requisitado free lancer.

Uma das suas mais incríveis experiências de menino do interior foi quando teve seu cão preso pelo homem da carrocinha, salvo graças à intervenção de seu pai, que conseguiu imediata devolução. Pois foi essa mesma vivência reacendida em sua memoria que lhe permitiu criar uma narrativa visual tão emocionante que se transformou no primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo, em 1960, categoria inexistente até aquela edição do prêmio destinado para consagrar as principais matérias publicadas na mídia impressa do país. Esse é o primeiro momento de explosão profissional na trajetória de Sérgio Jorge. Essas fotografias foram publicadas em 36 revistas e jornais de todo o mundo. O menino simples e curioso de Amparo torna-se um repórter celebrado internacionalmente. Uma consagração!

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Desde então Sérgio Jorge não parou mais de fotografar: repórter das revistas Manchete e Fatos & Fotos, Diretor do Estúdio Abril – onde foi responsável pela formação de inúmeros jovens, hoje profissionais reconhecidos e atuantes no mercado – e renomado fotógrafo publicitário que atende grandes agências de publicidade e empresas nacionais e multinacionais. Sua trajetória múltipla é sintonizada técnica e estéticamente com seu tempo. Seu acervo reúne mais de 60 mil fotografias e documentam um período de quase seis décadas de grandes transformações sociais, políticas e culturais do país.

Sérgio Jorge garante que viveu tudo com muita alegria e emoção. Quando lembra da importância que a imagem tem sua vida costuma manter a mesma sinceridade daquele menino que um dia descobriu um novo e mágico mundo no laboratório do velho Negrão, em Amparo: “entendo que toda fotografia é uma vitória e, como a luz vermelha do laboratório, ela se transformou no sangue que corre em minhas veias”.

A Casa da Imagem reúne pela primeira vez 100 fotografias de Sérgio Jorge e dedica integralmente seu espaço não só para fazer uma homenagem mas, principalmente, para dar a exata dimensão da sua importância para a história da fotografia brasileira.

 

REVISTA MANCHETE – um acervo perdido?

Sergio Jorge. Capas da Revista Manchete

Sergio Jorge. Capas da Revista Manchete

A Editora Bloch foi durante 48 anos uma das mais representativas no mercado editorial brasileiro. Fundada em 1952 por Adolpho Bloch na euforia do crescimento exponencial da atividade cultural do país. Dentre essas iniciativas podemos destacar a Bienal Internacional de São Paulo, o Teatro Brasileiro de Comédia, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, a inauguração da Televisão Tupi, o Masp, o MAM-SP e o MAM-RJ, entre muitas outras.

Durante quase cinco décadas de atividades a Bloch publicou as revistas Manchete, Fatos & Fotos, Pais e Filhos, Ele e Ela, Amiga, Desfile, Sétimo Céu, Geográfica Universal. Neste período reuniu um significativo Acervo de aproximadamente 12 milhões de imagens entre positivos, negativos, fotografias ampliadas e até mesmo algumas coleções foram adquiridas. Realizadas por cerca de 187 fotógrafos que atuaram na editora, entre contratados e colaboradores, a partir do ano 2000, logo após a falência da editora, esse rico Acervo inicia seu périplo. Transformou-se num estorvo para a massa falida.

Ofertada em leilão no ano de 2009 por 1,8 milhões de reais não conseguiu despertar interesse, nem por parte de investidores privados, nem por instituições públicas que tem responsabilidade em manter o patrimônio iconográfico do país. A irresponsabilidade dos gestores da massa falida somada ao total desinteresse do poder público, fez o Acervo ficar à deriva por mais alguns meses. Em 2010, um desconhecido comprador o adquiriu, inclusive inúmeros textos e a coleção das revistas encadernadas por apenas 300 mil reais, ou seja, por 16% do valor inicialmente proposto.

Atualmente, o Acervo Manchete tem paradeiro desconhecido e incerto. Por esse motivo, a Casa da Imagem torna pública esta discussão e chama a atenção da sociedade civil organizada para um problema que aflige historiadores e pesquisadores de todo o Brasil – o destino da memória e da identidade do nosso país. No dia 26 de julho, sábado, manhã e tarde sera realizado um amplo debate sobre essa questão com alguns dos fotógrafos da revista Manchete.

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A exposição de Sérgio Jorge permanece na Casa da Imagem (São Paulo) até o dia 10/08.
R. Roberto Simonsen, 136-B, Centro. Telefone: 3241-4238. De terça a domingo, das 9h às 17h. Grátis

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Jornalista, curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor e diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP).

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