O universo da imagem sempre nos surpreende. Há algumas semanas, visitando a exposição do ilustrador Norman Rockwell (1894-1978), no Brooklyn Museum, em NYC, mais um mistério é desvendado. A exposição torna pública, pela primeira vez, o uso da fotografia nos trabalhos daquele que é considerado o maior nome do desenho e da ilustração norte-americana entre as décadas de 1930 e 1970. Aliás, é na década de 1930 que ele incorpora a fotografia em seus trabalhos e a exposição, com curadoria de Ron Schick, desvenda todo o mistério – seus parceiros fotógrafos, alguns dos seus episcópios (projetores) utilizados para ampliar as imagens, a cópia contato, a direção de cena, enfim todos os procedimentos que o transformaram no artista que melhor soube trazer o imaginário do cidadão norte-americano para a publicidade e para as capas das principais revistas do país.
Rockwell trabalhou durante 47 anos para a revista The Saturday Evening Post e assinou 323 capas neste período. Ele também trabalhou com diversos fotógrafos durante os mais de 40 anos em que usou a imagem da câmera como matriz do seu desenho e da sua pintura, mas apenas três são os responsáveis pela maioria das fotografias de seu arquivo que hoje ultrapassa o número de 18 mil negativos, devidamente catalogados e arquivados no Norman Rockwell Museum, em Stockbridge, Massachusetts, responsável inclusive por manter por tanto tempo o segredo da originalidade do trabalho de Rockwell.
Gene Pelham (1909-2004) foi fotógrafo de Rockwell durante 14 anos, quando ele morou em Vermont. Pelham utilizou inicialmente uma câmera 5X7 polegadas e mais tarde a 4X5 polegadas, e produziu fotografias de excepcional qualidade, já que assumia a função de criativo assistente e ótimo laboratorista. Bill Scovill (1915-1996) foi o primeiro fotógrafo com quem Rockwell trabalhou em Stockbridge. Diferentemente de Pelhman, que também era modelo, Scovill era tecnicamente eficiente e ajudava-o a contratar fotógrafos locais quando viajavam. Ele colaborou na criação de 160 ilustrações e documentou toda a atuação de Rockwell na direção dos personagens no estúdio. Louie Lamone (1918-2007) foi inicialmente contratado para ajudá-lo em sua mudança para Stockbridge e aos poucos se tornou seu assistente geral. Lamone trabalhou com Rockwell durante 23 anos, mas começou a fotografar somente em 1961, tornando-se primeiro fotógrafo em 1963. Os dois últimos também utilizavam a câmera 4X5 polegadas e o 35mm para selecionar modelos e locações.
No início da sua carreira, Rockwell contratava modelos profissionais que, aos poucos, foram sendo substituídos por pessoas que viviam ao seu redor: os amigos e seus filhos, familiares e vizinhos. Isso gerou uma aproximação e uma cumplicidade muito grande entre o artista e os leitores das revistas ilustradas – os principais veículos de comunicação de massa na década de 1930. É incrível perceber, através das fotografias selecionadas para a exposição, sua intensa participação na criação das imagens e o modo como ele utilizava diferentes artifícios para dar conforto aos seus modelos não profissionais. Dizia ele: “eu retrato humanos com cara de humanos”.
Outra curiosidade trazida pela exposição é que Rockwell sempre procurava se posicionar muito próximo da câmera fotográfica. Além de estar presente na cena e controlá-la em suas nuances, isso facilitava muito sua transcrição para o papel, ocasião em que ele fazia os pequenos ajustes para eliminar os excessos e valorizar as expressões e os movimentos congelados pela câmera fotográfica. Esse anúncio – First Trip to the Beauty Shop, de 1972 – é um exemplo típico de como ele soube explorar o uso da fotografia para criar uma iconografia das mais emblemáticas do povo norte-americano.
Sabemos da relação íntima entre a pintura e a fotografia e conhecemos a importância da fotografia nos trabalhos de Delacroix, Ingres, Courbet, Gauguin, Degas, Picasso, entre outros. Norman Rockwell tinha conhecimento de que, já antes do Renascimento, muitos artistas trabalharam diretamente com a camara obscura e isso nunca foi um obstáculo para ele. Seus cenários arranjados lembram as composições de Robinson e Rejlander do século XIX ou mesmos as encenações contemporâneas de Cindy Sherman e Jeff Wall. Rockwell, assim como Rejlander, também finalizava suas imagens a partir de vários fragmentos fotografados separadamente. Enfim, os procedimentos em busca da perfeição, da meticulosa precisão, dos ângulos necessários para enfatizar os olhares da cena, da iluminação correta, evidenciam sua atenção para a importância da fotografia, essência primeira de sua arte.
Norman Rockwell deixou sua obra muito bem documentada e a maioria dos fotógrafos contratados para trabalhos específicos, além dos seus três preferidos, estão devidamente nomeados. Isso significa que ele assumia a fotografia como parte do seu processo criativo e com certeza muitas delas devem ser de sua própria autoria, mas ainda não estão identificadas. De qualquer modo, é sempre bom lembrar que ele foi um exímio desenhista desde criança. Em um dos seus diários de trabalho ele escreveu: “eu desafio qualquer um a me mostrar quando comecei a usar fotografia. Afinal, sempre fui conhecido como o garoto com olhos de câmera”.
Confesso, sempre admirei o trabalho de Norman Rockwell (talvez por ser tão fotográfico) e conheço alguns dos seus principais livros, mas jamais tive com clareza a evidencia fotográfica que mostra esta exposição.
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