Geração 00

[09.maio.2011]

O que poderia trazer de novidade uma exposição que busca ser uma espécie de retrospectiva e síntese do que foi a primeira década do século XXI para a fotografia brasileira? Aparentemente nada. Mas, convenhamos, não dá ficar impassível diante da exuberância desta coletiva. Eder Chiodetto acertou em cheio ao assumir os artistas selecionados como aqueles que, de certa maneira, representam as diferentes possibilidades do fazer fotográfico contemporâneo. Tendências de gêneros e técnicas fotográficas que se fundem para atiçar a sintaxe, que de tempos em tempos precisam ser sacudidas e renovadas.

A produção desta última década prova que o caminho ainda é longo e muitas incertezas ainda rondam a nova fotografia. De qualquer modo, o que temos é uma visualidade contagiante, que nos surpreende na maioria das experiências mostradas. Claro, numa precisa avaliação isolada, alguns dos ensaios podem parecer imaturos, mas o conjunto é poderoso, fluente, desafiador, e nos toca justamente porque a curadoria soube articular criativamente as diferentes propostas.

Helga Stein, sem título, 2006

O impacto da mostra é total e manifesta o grau de seriedade da pesquisa realizada, pois não só é provocativa como evidencia que os artistas selecionados, na maioria das vezes, sabem vivenciar a profundidade do tempo presente. Eles têm suas percepções treinadas para enfrentar os desafios e as mutações da contemporaneidade. É interessante olhar os espaços exclusivos de cada artista e contrastar sua obra com o entorno e com o conjunto. Vamos encontrar harmonias e dissonâncias entre elas, como se as imagens fossem fragmentos que pulsam em nossas retinas com a finalidade de tornar o caráter efêmero do instante um eterno desconhecido.

A opção curatorial foi avaliar as principais linhas de força da fotografia brasileira da última década e optar por dois grandes blocos: “Limites, Metalinguagem” e “Documental Imaginário, Novo Fotojornalismo”. A divisão sugerida é ampla, mas contempla praticamente as diferentes possibilidades e potencialidades de uma produção recente que toma de assalto os principais festivais do Brasil e do exterior; que tem apoio e ressonância na crítica internacional; que integra coleções importantes; que ocupa os espaços de museus e galerias; e que atua como uma espécie de centro nervoso na produção das artes visuais do país.

Como toda mostra coletiva, a Geração 00 também é polêmica. Mas vale salientar a coragem com que Eder Chiodetto examina e analisa as tendências. Mesmo consciente de que toda escolha é deliberada e subjetiva, gosto muito da idéia de valorizar o processo criativo e os procedimentos encontrados pelos artistas para concretizar os seus trabalhos. Cada vez mais sinto a importância da imagem centrada no fazer fotográfico e podemos identificar na exposição diversas abordagens que tornam as intervenções no processo absolutamente diferenciadas e inovadoras.

João Castilho, Redemunho, 2006

Podemos entender esta produção técnica contemporânea, mais esgarçada e limítrofe, que caminha em várias direções e se deixa contaminar por outras mídias, aceitando dialogar com outras linguagens, como fotografia expandida. Na mostra Geração 00, percebe-se também as tendências daqueles que se utilizam dos procedimentos fotográficos para criar imagens de significações instáveis – expansão dos limites da identidade, do corpo, da memória, da materialidade, da paisagem, entre outros.

Entre os artistas há aqueles que olham para as referências paradigmáticas da fotografia praticada nas décadas anteriores; outros que se apropriam de um presente tecnológico já descartado para gerar imagens aleatórias e imprecisas; há também aqueles que buscam reencontrar o fio condutor de uma memória coletiva; e outros que investem no presente com um olhar daquilo que poderá ser o futuro. Enfim, diferentes linhas de força que provocam deliberadamente nossa imaginação, como se fossem resultantes de uma espontânea organização da ação criativa do artista. Na verdade, são experimentações distintas que trazem essa capacidade incisiva de difundir visualidades que estimulam nossas percepções.

Claudia Andujar, Urihi-A, 1976

A surpresa que fica no meio do caminho, entre os blocos expositivos, é uma imensa tela que reproduz uma fotografia de Claudia Andujar. Apenas uma imagem de grandes dimensões e 300 quilogramas, suspensa no ar, com incrível leveza. Uma fotografia aérea do espaço habitacional dos índios Yanomami, cravado na floresta densa, de tom avermelhada, cuja emenda deixa vazar pequenos pontos de luz incorporados pela artista e denominados de “os espíritos da floresta”. Mais uma vez Claudia rompe com maestria o limite entre a fotografia documental e a abstração, e viabiliza um universo poético intenso e de rara beleza. Um momento de êxtase que conecta todos os trabalhos e celebra a fotografia como uma das mais expressivas linguagens do nosso tempo.

Tags: , , ,

Jornalista, curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor e diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP).

3 Respostas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Reload Image

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.