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IMAGEM, INTERATIVIDADE E IMPREVISIBILIDADE*

Carlos Fadon Vicente, 1996

 


Carlos Fadon, Vectors 12i, 1990.

Interatividade e imprevisibilidade são parte integrante da vida, mais ainda do próprio sistema/universo do qual somos apenas parte. No sentido comum, a interatividade faz parte do cotidiano humano, através das conversas – diálogos internos e externos –  embora tenha agora um acento contemporâneo portado pelas "novas tecnologias de comunicação", especialmente aquelas fundadas na informática, telemática e robótica. A imprevisibilidade, e sua co-irmã a incerteza, comparece no dia a dia, vista como sorte ou azar, da qual o homem busca proteção, por aproximação ou afastamento – reflexo talvez da transitoriedade e finitude de sua condição. Mais recentememente ela ganhou outra faceta por conta dos estudos da física das partículas e das teorias do caos. Na verdade, interatividade e imprevisibildade se mostram interligadas, como os dois lados de uma moeda.

Na arte em geral a interatividade permeia, quase que naturalmente, tanto o processo de criação-produção como o de percepção-interpretação, já a imprevisibilidade é comumente absorvida como acidente, coincidência, inesperado, etc. Ambas tem entretanto um papel relevante em certas manifestações, seja no dadaismo, por exemplo com "azar e anti-azar" (antecessores da noção de desordem e ordem), seja em algumas vertentes da arte eletrônica, por exemplo, mediadas por interfaces virtuais e concretas na triangulação homem-máquina-natureza 1.

A questão da interatividade e da causalidade/acausalidade estão incorporadas em minha obra sob diversas formas e com diferentes graduações 2. Ela está presente em ensaios fotográficos e em eventos em telecomunicação, que aqui recebem uma menção apenas sumária. Em fotografia, por exemplo, na elaboração da imagem em Avenida Paulista (1983–), na concepção do ensaio e na elaboração da imagem em Medium (1991–) 3. Em telearte, por exemplo, na concepção e elaboração da obra e na intermediação do aparato técnico em Natureza Morta / ao Vivo (1988) 4. Alguns aspectos dessa questão comparecem em trabalhos de infografia (computação gráfica), destacando-se aqui as transformações nos conceitos de obra e de autoria, dois casos são a seguir abordados.

Vectors (1989-90) é um ensaio formado por imagens infográficas feitas diretamente sobre papel em modo interativo, em que o computador assume o status de colaborador, com a interveniência de processos aleatórios e que são tipicamente falhas de programas e/ou equipamentos. Muitas vezes essas falhas compreendem uma manifestação gráfica (e.g., linhas, caracteres, distorção de elementos, etc.). Assim elaboradas, elas são únicas, contrariando-se com isso a expectativa de previsibilidade e repetitividade usualmente atribuída ao computador. Cada uma das peças é resultante de múltiplas etapas de impressão, num procedimento que remete a colagem e a montagem. Diferentes simbologias, por vezes diacrônicas, comparecem nas imagens, a trama de códigos, escrituras, símbolos e figuras – estabelecendo diálogos entre linguagens, e relações entre sistemas de conhecimento – configura um imaginário. Essa sobreposição em sucessivas passagens permite entrever algumas metáforas, tais como a fabricação de microprocessadores, ou a aproximação das imagens a palimpsestos – instigando o problema de sua legibilidade 5.

Atualmente está sendo desenvolvido o projeto Opus, objetivando a elaboração de imagens infográficas de modo interativo em regime de parceria com uma estação gráfica. Essa realização é regida por processos aleatórios, em que se determina quantitativamente, mas não qualitativamente, a frequência e a extensão da participação da estação gráfica. Trata-se, paradoxalmente, de simular uma aleatoriedade, o que não exclui o fortuito. Em essência pretende-se promover a interação entre as capacidades intutivas e lógicas do ser humano com as capacidades lógicas da estação gráfica; estando previsto o desenvolvimento e a integração de programas específicos de modo a estabecer um continuum criação-produção adequado. Este projeto recebeu em 1996 uma Bolsa Vitae de Artes.

Estas obras integram o projeto ARTTE, que vem sendo desenvolvido pelo autor desde 1985, tendo por escopo uma pesquisa estética e conceitual sobre as novas poéticas nascidas da sinergia entre arte e tecnologia.


 

NOTAS:

* Texto originalmente publicado em Nanico, no 14 . São Paulo, outubro de 1996. pp.11-12. [voltar]
1- Nesse contexto algumas referências básicas:

Dadaismo:
-RICHTER, Hans. Historia del Dadaísmo. Buenos Aires, Nueva Visión, 1973.

Acaso:
-JUNG, Carl G. Sincronicidade. Petrópolis, Vozes, 1984.
-Traverses. nº 23 novembro 1981. "Hasard: Figures de la Fortune". Paris, Centre Georges Pompidou.

Livros, periódicos e catálogos historiando mostras de arte eletrônica:
-Arteônica: o uso criativo dos meios eletrônicos na arte
. São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 1971 (mostra idealizada e organizada por Waldemar Cordeiro).
-DAVIS, Douglas. Art and the Future. Londres, Thames and Hudson, 1973.
-FRANKE, Herbert W. Computer Graphics/Computer Art. Nova Iorque, Phaidon, 1971 (1ª ed); Nova Iorque, Springer Verlag, 1985 (2ª ed.).
-GOODMAN, Cynthia. Digital Visions: Computers and Art. Nova Iorque, Abrams, 1987 (mostra no Everson Museum of Art, EUA).
-Leonardo, Cambridge, MIT Journals, EUA.
-POPPER, Frank (org.). Electra - L'Électricité et l'Eletronique dans l'Art au XX ème Siècle. Paris, Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris, 1983.
-POPPER, Frank. Art of the Electronic Age. Nova Iorque, Abrams, 1993. Prix Ars Electronica. Graz, Austria, Österreichischer Rundfunk.
-REICHARDT, Jasia (org.) Cibernetic Serendipity. Londres, Studio International,
Special Issue, 1968 (mostra no Institute for Contemporary Arts, Inglaterra).
-REVUE VIRTUELLE, Paris, Centre Geoges Pompidou . [voltar]

2- Vide artigo do autor: "Interações", in Item, nº 3, fevereiro 1996, pp. 26-28. [voltar]
3- Vide KOSSOY, Boris. "Em Busca da Dupla Realidade". In Galeria (São Paulo), nº 2 1986, p. 47 e artigo do autor: "Medium", in CineVídeo, catálogo de evento, MIS-SP, 1992, p 32. [voltar]
4- Realizado como parte do evento INTERCITIES: São Paulo/Pittsburgh. Vide artigo do autor: "Still Life/Alive", in Leonardo, vol 24. nº2, 1991, pp. 234-235. [voltar]
5- Vide FABRIS, Annateresa. "A Regra do Acaso", in Vectors, catálogo de exposição, São Paulo, MASP, 1991. [voltar]

 

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